Teorias do Serviço Social
"O Serviço Social demanda fundamentalmente para a ação e para a resolução dos problemas; a afirmação e reconhecimento de que esta ação sobre o social deve basear-se num pensamento sistematizado sobre a realidade traduz-se em conquista deste campo profissional, mas não está ainda interiorizada por todos os Assistentes Sociais, escolas, instituições e comunidade científica. Não tem sido clara a relação do Serviço Social com os campos de produção de saber e a sua capacidade de afirmação intelectual no seio das ciências sociais; a reflexão sobre as suas próprias teorias e posicionamentos perante as grandes correntes de pensamento da teoria social não tem sido abundante.
A modernidade foi experimentada como período de certezas e respostas claras às grandes questões da humanidade; o conhecimento científico foi exercendo domínio sobre outras formas de conhecimento e os seus imperativos identificaram-se com a verdade e o bem. No seio da própria ciência tendeu-se a considerar como válida e consensual apenas uma forma de abordagem: neutra, distanciada, objetiva, quantitativa e causal; traçou-se um panorama onde o Serviço Social foi colocado fora dos limites da produção científica. O tempo, demonstrou que o conhecimento científico não substitui outras áreas de saber e que não conduz inexoravelmente à verdade, ao bem e à felicidade; tem vindo a tornar-se cada vez mais claro que a cientifização excessiva da vida e da sociedade, desligada de um pensamento político e ético, poderá encaminhar para o fim da humanidade.
Assiste-se à crise da modernidade e dos seus pressupostos sobre o mundo e sobre a humanidade; a era pós-moderna encerra em si a crise dos valores e dos grandes paradigmas do pensamento. Reconhece-se que mesmo no campo da ciência existem várias formas de aproximação ao real, sob diferentes perspetivas do que é a realidade e de como é que a realidade pode ser conhecida. Aqui, o contributo que o Serviço Social pode dar para a constituição de conhecimento científico ganha um novo vigor; a proximidade com as situações e o envolvimento com as perceções subjetivas que delas os indivíduos fazem, olham-se como vantagens ao pensar nas formas de obter conhecimento sobre o real. Surge um espaço de conquista pelo Serviço Social de um lugar na produção científica das ciências sociais, tornando mais clara a sua relação com as grandes correntes de pensamento e as implicações que pode ter na forma de pensar a ação profissional.
Os quadrantes da regulação, onde se encontram o funcionalismo e o interpretativismo, são identificados com as abordagens mais clássicas ao Serviço Social e sofrem de um sentido pejorativo por parte da classe profissional, mas não são menos frequentes nas práticas efetivas dos Assistentes Sociais. Estas perspetivas estavam presentes nos primórdios da profissão, foram sobrevivendo e hoje tomam formas revigoradas de se afirmarem como teorias vivas do Serviço Social. A profissão procura a coesão social e desenvolve estratégias de adaptação dos indivíduos à sociedade a que pertencem, criando vias possíveis de integração na sociedade. O Serviço Social Estrutural, em confronto direto com as teorias da regulação defende um Assistente Social com uma visão ampla sobre os mecanismos societários de opressão e com um sentido político consciente na sua ação; o conflito promove-se como forma de debelar a desigualdade e promover os direitos dos sectores da sociedade mais vulnerabilizados. O Assistente Social transforma-se num militante das causas das classes oprimidas e peca por uma visão demasiado formatada do funcionamento da sociedade, sem criar espaço para que outras variáveis possam ser consideradas no pensamento e na ação sobre a sociedade. É, neste sentido, uma teoria determinista que considera que a estrutura social oprime e impõe-se ao indivíduo, por sua vez, impotente para a enfrentar; o Assistente Social surge como alguém que está acima das populações utentes e que sabe melhor do que elas como agir de forma a proporcionar-lhes melhores condições de vida. Sabe, à partida o que é melhor para as populações e que a sua identidade é fundamentalmente uma identidade de classe; esta perspetiva continua em grande debate e renovação no seio do Serviço Social.
O Serviço Social Crítico retoma o desígnio de mudança e alia-o a uma visão voluntarista do indivíduo e da própria profissão; com o apoio profissional do Assistente Social, todos os indivíduos serão capazes de se autodeterminar, construir uma trajetória que os realize e contribuir para a mudança social num sentido positivo. Esta teoria responde pragmaticamente à crise da modernidade: se a ciência não é capaz de apresentar a verdade, considera-se que existem várias verdades com equivalente validade; se existem valores consensuais, então a prática deve reger-se pela relatividade dos valores; se a história provou que as utopias são afinal distopias, então não se justifica um projeto político para a sociedade pois o que conta é o trabalho pela emancipação individual dos indivíduos. A tendência para o relativismo e o construtivismo extremos estão na base do que mais pode ser criticado nesta abordagem; o carácter voluntarista desta teoria implica uma excessiva confiança na capacidade de cada indivíduo se integrar na sociedade – uma vez empoderado, o sujeito será capaz de desenvolve ruma trajetória de inclusão, dependendo apenas de si e da sua vontade tal consecução. O esforço desta abordagem de superação dos dilemas da atualidade não se mostra suficiente para responder às questões colocadas pela profissão.
A teoria da Correlação de Forças tenta estabelecer pontes que articulem aspetos das visões estruturalista e subjetivista do mundo social; situando-se num registo que pende mais para o conflito do que para a regulação defende que cada indivíduo se inscreve num dado ponto da estrutura social, mas que esta estrutura só existe e funciona porque composta pelos comportamentos individuais. Assim, cada indivíduo tem inscritos no seu interior elementos da estrutura que lhe sobrevém e existem na exterioridade estrutural elementos da sua individualidade; significa que a sociedade se explica como um jogo de forças entre os interesses dos diferentes indivíduos e, também, entre os indivíduos e as estruturas que os enquadram. Na análise das situações, os problemas devem ser percecionados nas suas implicações estruturais; na intervenção sobre as situações, os indivíduos devem ser reconhecidos na sua individualidade e especificidade.
Assim, a ação do Serviço Social deve ser realizada individualmente, mas com um sentido global; o Assistente Social, neste contexto, é um profissional vinculado com os sujeitos mais desprotegidos, vulneráveis e fragilizados e deverá trabalhar no sentido de os capacitar e conscientizar das suas potencialidade, constrangimentos pessoais e estruturais de que são alvo e de lhes fornecer ferramentas de auxílio à construção de biovias mais integradoras. Estas biovias são também condicionadoras das estruturas existentes, transformando-as para um melhor equilíbrios das forças em presença; a teoria da correlação de forças não se apresenta como o fim da discussão sobre as teorias do Serviço Social, fornecendo a resposta certa a todas as questões colocadas. Permanecem, ainda, múltiplos questionamentos a que a teoria ainda não se mostrou capaz de cabalmente responder: deve o Serviço Social ter um projeto societário? Deve tomar partido? Que valores deve enfatizar? Como deve olhar a sociedade? E os indivíduos, devem ser perspetivados? Serão todos iguais ou os indivíduos utentes do Serviço Social são intrinsecamente diferentes dos indivíduos não-utentes? Estas e outras questões deverão manter vivo o debate sobre a teoria do Serviço Social num movimento que contrarie uma forte tendência para a tecnificação do mundo e da vida que se vive atualmente, que, ao nível das ciências em geral, tende a reduzir o exercício científico às suas aplicações práticas e à demonstração de resultados e que, ao nível do Serviço Social em particular, pode estar na origem de processos como a identificação da profissão com a metodologia de projeto, da investigação com os processos de avaliação e da produção de conhecimento com a realização do diagnóstico."
Amaro, Inês. Os Campos paradigmáticos do Serviço Social: proposta para uma categorização das teorias em presença.
Amaro, Inês. Os Campos paradigmáticos do Serviço Social: proposta para uma categorização das teorias em presença.
In: http://www.cesss-ucp.com.pt/files/locussocial/page4/files/page4_13.pdf
Subscrever:
Enviar feedback
(
Atom
)
Sem comentários :
Enviar um comentário