Dar o peixe, ensinar a pescar ou remover os muros?

A intervenção do Assistente Social


“O assistente social não é mero executor de políticas sociais, a sua realidade de intervenção não está delimitada à aplicação de leis ou políticas sociais estabelecidas pelo Estado, o que por si só, parcamente concorreria para a realização de transformações na realidade da pobreza e exclusão social; a intervenção carece de estratégias e técnicas. A tarefa do assistente social supera esta ação pois detém a intencionalidade incutida por saberes teóricos, ideológicos, políticos e pessoais, diferenciando-o de um simples executor de políticas sociais; ele é habilitado para participar na sua elaboração e em programas sociais. Como agente investiga a realidade alvo da intervenção, para a compreender, concedendo-lhe um “estatuto privilegiado”, que lhe permite “repensar e renovar” as suas práticas, expondo propostas de intervenção mais coerentes e eficazes. Desenvolvendo uma ação concertada, privilegiando a participação de todos os agentes, técnicos, utilizadores, Estado, instituições, é possível contribuir para a transformação das realidades da pobreza e da exclusão social. 

O poder é também um elemento intrínseco à atividade do assistente social, estabelecendo-se com a estrutura institucional onde está inserido e da qual depende, como também com os agentes utilizadores. Na relação institucional, a posição de poder do técnico ganha espaço, através do desenvolvimento da ação reflexiva, competente, criativa e com destreza de raciocínio, contribuindo para a alteração de políticas sociais, construção das mesmas e de outros programas ou projetos de intervenção social e comunitária. Esse poder, é igualmente exercido com os utilizadores, embora apesar de se defender a participação dos utilizadores na definição do seu projeto de vida no papel de atores principais, acaba por ser o técnico a definir esse projeto, de forma mais diretiva do que partilhada ou participada pelo utilizador; a ação pode assumir vários cenários, por exemplo porque o técnico considera que o facto do “ sujeito de atenção” vivenciar há muito a situação de pobreza e/ou exclusão o “descapitaliza” de poder para ter capacidade de tomar a melhores decisões, decidindo o técnico “o que pensa ser melhor para aquele indivíduo”, contradizendo as expectativas de criação de competências nos utilizadores. Por um lado o técnico considera o seu pensamento, sugestões e opiniões, superiores, e como tal desvaloriza a dos utilizadores, por outro lado, os técnicos dispõem de respostas sociais, em forma de programas, políticas ou projetos, não adequados à situação do utente, optando-se por outra solução ainda que não a ideal; não consiste em “obrigar” o utilizador a fazer algo, por via da assinatura de um programa de inserção, mas corresponder aos objetivos impostos pela estrutura institucional na qual o assistente social desenvolve a sua ação. O assistente social desenvolve a sua ação reguladora de forma subtil, gerando no utente a ideia de que participou no processo enquanto decisor da sua vida; a sucessão do poder passa da estrutura institucional para o assistente social, através dos objetivos definidos, e deste para o utilizador. Os técnicos, mesmo defensores de uma posição profissional mais crítica, que valoriza a importância da integração e participação dos agentes utilizadores dos serviços no seu projeto de vida, tendo em conta as suas experiências de vida, limitações ou competências, assumem por vezes posturas diferentes, numa lógica de poder que nem sempre garante os direitos dos cidadãos. Contudo, existem assistentes sociais nesta lógica ou metodologia, que procuram continuar a fazer um trabalho de intervenção que passa por ter um conhecimento profundo da situação, para a realização de um diagnóstico no sentido de repensar novas estratégias face às limitações enfrentadas. Todo este processo, tem vindo a apresentar-se cada vez mais complexo e difícil de realizar, pois o assistente social enfrenta paralelamente ao seu trabalho de reflexão, pesquisa, atualização de conteúdos, intervenção social, etc., o peso cada vez mais burocrático e administrativo do trabalho, que o compromete em termos de tempo no acompanhamento, intervenção e participação sociocomunitária; este é mais um entrave associado aos imensos processos que cada técnico tem para acompanhar, e que demonstram apenas, pelo número excessivo, que sem dúvida é impossível realizar e acompanhar todos os casos com a mesma intensidade. Acresce o fato de se encontrar muitas vezes sozinho neste processo, sem equipa multidisciplinar, que tal como mostra a experiência, é uma mais valia neste trabalho de intervenção na pobreza e exclusão social; não se trata de conceder apenas apoios económicos, é necessário conhecer, refletir, intervir, acompanhar. Todos estes fatores têm consequências, para a maior parte dos processos em acompanhamento, habitualmente negativas; valorizam-se as situações muito graves (os mais necessitados dos necessitados) e as outras tantas vão sendo intervencionadas conforme os próprios utilizadores vão surgindo com mais este ou aquele problema. Deparamo-nos assim, com o modo de funcionamento das estruturas sociais existentes, quanto ao modelo de desenvolvimento económico atual, a forma como se valoriza o processo de integração económica na ordem culturalmente dominante e os domínios políticos da qual fazem parte os fatores de risco como a vulnerabilidade dos empregos, o desemprego, o reduzido valor das pensões, as precárias medidas de proteção social. 

… não se consegue acompanhar todos os processos de igual forma, onde o objetivo maior seria o de potenciar nos utilizadores um processo de emancipação em relação à sua situação de pobreza e ou de exclusão; os utilizadores, que experimentam uma situação de pobreza desde a infância, em virtude dos já fracos recursos económicos das famílias de origem que não lhes permitem estudar veem diminuída a possibilidade de acesso a uma oportunidade de trabalho melhor, fator limitador no processo de inserção. A passagem por um período prolongado nestas realidades fragiliza as suas competências pessoais e sociais, a sua autoestima, os seus hábitos; o comportamento torna-se gradualmente mais dependente de algo, diminui a capacidade de interagir e criar condições para a transformação. Esta realidade trespassa gerações, o ciclo de pobreza e exclusão persiste e como consequência, assiste-se à reprodução de ambas; continuamos a assistir a um grupo social que se mantém à margem do exercício dos seus direitos de cidadania, pouco motivado para a participação social, reconhecimento e construção ou reconstrução de direitos, ou seja mantém-se regulado. Os sistemas sociais têm uma carácter sistémico os fatores responsáveis pela reprodução da pobreza e exclusão social correlacionam-se desenvolvendo efeitos colaterais em todos os agentes envolvidos sejam técnicos sejam beneficiários. Contudo é sabido que a falta de responsabilidade política e social dos agentes (económicos e políticos) em resolver o problema da pobreza e exclusão em que os indivíduos se encontram não só é um fator de reprodução como também de não resolução da pobreza e exclusão social.”


Esteves, Paula Cristina Pais (2007). A Agência do Assistente Social e a Reprodução da Pobreza e da Exclusão Social

http://repositorio.ismt.pt/bitstream/123456789/178/1/TESE%20completa.pdf