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Políticas de desigualdade como políticas de classe?


“Acontece, porém, que se tem vindo a assistir a um fenómeno singular, de sentido inverso: a proliferação de políticas de desigualdade. Desse modo, também a liberdade vai ficando ameaçada. Este processo parece ter apanhado muitos de surpresa. Tanto nas perceções e conceções correntes na esfera pública como nas análises e debates especializados das ciências sociais, até há pouco essas políticas de desigualdade não tinham sido reconhecidas pelo que são, ou nem sequer tinham sido claramente identificadas enquanto tal. Os encadeamentos causais implicados surgem-nos ainda bastante imprecisos ou controversos. As consequências, estando a ser já diretamente experimentadas por vastos setores sociais, não foram até agora suficientemente mapeadas e analisadas. De certo modo, o contexto de progresso económico e social prolongado que se verificou na segunda metade do século XX ajuda a compreender, embora paradoxalmente, as dificuldades de reconhecimento das presentes políticas de desigualdade. Com efeito, sedimentou-se socialmente nessa época a noção de que as políticas públicas equivalem, no essencial, a políticas de igualdade. De maneira direta ou indireta, em maior ou menor grau, esse era um atributo fundamental da fiscalidade progressiva, da legislação laboral, da segurança social, dos sistemas públicos de educação e de saúde, das infraestruturas públicas de energia e saneamento, transportes e comunicações — elementos nucleares do complexo de instituições e políticas constitutivas do que se veio a chamar Welfare State, Estado-providência ou Estado-social. Não nos equivoquemos a esse respeito. As assimetrias estruturais, os contrastes de condições de existência, os sentimentos de injustiça e os conflitos sociais estiveram bem presentes nessas sociedades. Isso não desmente, porém, o facto de nelas ter prevalecido um tipo de políticas públicas — largamente induzidas, aliás, por essas dinâmicas sociais — que não só incentivou o desenvolvimento e o bem-estar como reduziu substancialmente as desigualdades económicas e sociais. A partir dos anos 80 do século XX ocorre uma inflexão profunda no centro do mundo mais desenvolvido: as políticas de igualdade começam a ser substituídas por políticas de desigualdade. Inicia-se um processo de agravamento prolongado das desigualdades, nomeadamente das desigualdades de rendimentos, de riqueza, de oportunidades de emprego, de direitos laborais, de acesso a serviços, de possibilidades de mobilidade social. Esse processo encontra-se hoje em pleno curso. As pesquisas de Thomas Piketty, minuciosamente documentadas e brilhantemente analisadas, são particularmente importantes por evidenciarem essa inflexão nas desigualdades económicas, iniciada quase meio século depois de uma outra inflexão igualmente drástica mas de sentido inverso. Não menos importante é permitirem medir o agravamento continuado dessas desigualdades na atualidade, explicar lógicas económicas fundamentais subjacentes e compreender aspetos cruciais das relações dessas mudanças estruturais com a inversão de políticas. O processo teve o seu foco nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, onde se concretizou de forma rápida e intensa, regressando essas sociedades aos níveis elevadíssimos de desigualdade económica que as caracterizavam um século antes. Noutros países, nomeadamente na Europa, as dinâmicas têm sido mais variadas. Nos países nórdicos, por exemplo, ou no centro da União Europeia (nomeadamente na França e na Alemanha), a inflexão de políticas também tem vindo a ocorrer, mas não de forma tão transversal e concentrada, verificando-se ainda assim um crescimento das desigualdades, embora em menor grau. Em Portugal, as desigualdades económicas e sociais percorreram na última década uma trajetória em U. Partindo dos mais altos níveis inigualitários no contexto europeu, verificou-se durante alguns anos um decréscimo progressivo das desigualdades (não só de rendimentos, aliás, mas também educativas, de género e outras). Nos últimos anos, porém, o sentido mudou para uma dinâmica de acentuação das desigualdades. Os fatores atuantes são diversos. Um dos mais relevantes tem sido, notoriamente, a promoção de políticas de desigualdade. Alguns dos exemplos mais evidentes incluem as políticas de cortes de salários e pensões, de redução de subsídios de desemprego e de apoios sociais a famílias carenciadas, de crescente desproteção e precarização do emprego, de encarecimento de rendas de casa e custos de transportes, energia e outros componentes vitais da existência quotidiana. A estes somam-se as enormes assimetrias dos impostos sobre os rendimentos, muito desfavoráveis aos rendimentos de trabalho por comparação com os rendimentos de capitais e transações financeiras. No conjunto, configuram-se como políticas assimétricas, que favorecem os mais favorecidos (ao contrário dos critérios de justiça como equidade, preconizados por Rawls), concentrando recursos e poderes num feixe restrito de setores privilegiados. Estas novas “políticas de classe” têm vindo a agravar as desigualdades, ampliando os contrastes de condições de vida e intensificando as polarizações sociais. Com as restrições crescentes de recursos e oportunidades, grande parte dos membros da sociedade tem sido confrontada com uma degradação das condições de exercício das liberdades, no sentido em que lhes tem vindo a reduzir, como diz Amartya Sen (2009), as possibilidades efetivas de fazerem escolhas e realizarem ações que cada um tem razões para valorizar. Por isso, e porque conduzem a uma concentração extremamente restrita e arbitrária do poder de decisão política e económica (Stiglitz, 2012), as referidas políticas de classe são não só um fator de agravamento da desigualdade mas também uma ameaça à liberdade.”



Desigualdades em Questão Análises e Problemáticas
Renato Miguel do Carmo e António Firmino da Costa (orgs.)

Fonte: http://www.mundossociais.com/temps/livros/03_25_15_31_desigualdadesquestaofftindiceintrod.pdf

Desigualdades, serviços públicos e justiça global

João Mineiro Sociólogo, bolseiro de investigação científica e mestrando em Sociologia no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) onde recebeu quatro Prémios de Mérito e Excelência Académica e o Prémio Caixa Geral de Depósitos. Tem trabalhado as problemáticas das desigualdades, classes sociais, juventude, cultura e movimentos sociais.


" Os serviços públicos de educação e saúde e as desigualdades são uma parte fundamental do mundo em que vivemos. No atual contexto de crise, temos assistido a um aumento das desigualdades e, particularmente no contexto europeu, a uma redução na oferta de serviços públicos. Neste artigo exploraremos a relação entre a oferta de serviços públicos de educação e saúde e as desigualdades globais. A partir dos dados do PNUD (2013), discutiremos em primeiro lugar, para treze países, as desigualdades na oferta de serviços de educação e saúde. Em segundo lugar, exploraremos a relação entre estas desigualdades e os indicadores de saúde, educação e desenvolvimento. Finalmente, analisaremos a relação entre estas desigualdades e a perspetiva subjetiva dos cidadãos sobre a satisfação com a oferta de serviços de saúde e educação nesses países."


Na íntegra: http://hdl.handle.net/10071/8027

Para matar de vez a desigualdade



Por:  RENATO MIGUEL DO CARMO - Sociólogo

A desigualdade de rendimentos não afeta só as populações menos favorecidas, como tende a comprometer a composição e a organização geral das sociedades.

O sociólogo Göran Therborn é dos autores que mais sistematicamente vêm alertando, em livros, artigos e entrevistas (ver Análise Social n.º 212), para o caráter persistente e sistémico das desigualdades, que gradualmente vão "matando" (expressão do autor) nas oportunidades e condições de vida, mas, também, nos direitos fundamentais. Nos últimos anos, vários livros de diferentes autores (já traduzidos em português) têm vindo a aprofundar estudos sobre alguns destes mecanismos.

Richard Wilkinson e Kate Pickett, em O Espírito da Desigualdade, revelam, recorrendo a demonstração estatística, que são precisamente os países mais desiguais aqueles que apresentam uma maior densidade de problemas sociais e de saúde. Segundo a análise, muitos dos setores das economias e das sociedades ocidentais são mais afetados por estes problemas pelo facto de as desigualdades de rendimento atingirem níveis incomportáveis. Ou seja, estas não afetam só as populações menos favorecidas como tendem a comprometer a composição e a organização geral das sociedades.

Esta evidência é partilhada por outros autores de referência como Joseph Stiglitz, que no seu livro intitulado o Preço da Desigualdade alerta para os efeitos que a concentração do rendimento e da riqueza, em torno de um número reduzido de pessoas, provocam na ingerência do bom funcionamento das instituições políticas americanas, pondo em causa o princípio da liberdade no acesso aos bens e serviços públicos e na participação plena da vida democrática.

Na íntegra:
http://www.publico.pt/economia/noticia/para-matar-de-vez-a-desigualdade-1677118?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+PublicoRSS+%28Publico.pt%29