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Dar o peixe, ensinar a pescar ou remover os muros?

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A pobreza e a exclusão social em Portugal


"Os conceitos de pobreza e de exclusão social são construídos e delimitados pelo “mundo” dos que se julgam incluídos; urge aqui prioritariamente, atuar, não esquecendo, os “velhos pobres”, criando uma cultura social que assuma a sua coresponsabilidade, que entenda que a exclusão é uma consequência dos modelos, das práticas, dos consumos que escolhemos, que tal situação não é inevitável, e que ninguém está hoje livre de se ver em semelhante situação. Lutar contra a pobreza é lutar pelos mais básicos direitos humanos e é fundamental entender e ter como premissa que a pobreza, para além de não ser uma fatalidade, não é, primariamente, uma responsabilidade dos próprios pobres. Lutar contra a pobreza não deve ser um favor, uma benesse, uma boa vontade ou um alívio de consciências; trata-se de assumir e respeitar os mais básicos e fundamentais direitos humanos. Lutar contra a pobreza é lutar por sermos humanos; lutar pela concretização da integralidade do ser humano. Este é o papel que nós, enquanto interventores sociais, aos mais variados níveis e desde as mais diversas estruturas e formas de resposta, devemos assumir; contrariar o atual cenário significa caminharmos para o (re)estabelecimento de uma cultura da reciprocidade. Devemos (re)aprender a ver, (re)aprender a reconhecermo-nos uns aos outros como semelhantes de facto; se conseguirmos transformar a luta contra a pobreza numa espécie de “arte pública” – com todos, de todos e para todos – em que o bem e o belo, de uma forma comum, sejam a razão dos nossos modelos e escolhas, poderá, então, ser possível falar de inclusão social ou erradicação da pobreza; um novo projeto de cidadania, reencontrando diálogos perdidos, com novos espaços de relação, uma tarefa coletiva contando com a participação de todos, entendendo a erradicação da pobreza como um objetivo prioritário e quotidiano para todos os cidadãos: concretizar o sentimento profundo de permitir que o impossível aconteça: realizar o bem-comum, dignificando a pessoa humana.

…Durante muito tempo imperaram os princípios do assistencialismo mais básico onde o que era importante era precisamente, “assistir” – assistíamos ao que se passava e pouco mais fazíamos; os últimos 20 anos, muito por influência da nossa adesão à União Europeia, introduziram mudanças substantivas. Uma parte das políticas públicas, procuram influenciar uma nova forma de estar e de intervir socialmente; as políticas públicas têm um “código genético” que contraria o assistencialismo mas as práticas e as instituições instaladas encontram grandes dificuldades para as por em prática originando até por vezes grandes perversões (medidas que pretendiam promover a autonomia dos cidadãos criam ainda mais dependências. 

As representações sociais dos portugueses sobre a pobreza e sobre as suas causas continuam a ser bastante conservadoras, continuam a imputar fortes responsabilidades aos próprios pobres pela situação em que se encontram; a emergência da chamada “nova pobreza”, consequência direta da crise financeira e económica, transporta consigo um outro perigo: o regresso a uma visão de que “o que é preciso é dar de comer a quem tem fome”. Ou seja, ainda não tínhamos garantido a mudança cultural e poderemos estar perante um cenário que facilmente influenciará o regresso às formas mais tradicionais de puro e duro assistencialismo. 

* enfrentamos uma crise económica com um impacto social sem precedentes (nos últimos 70 anos) e o risco de pobreza aumenta e afeta novos grupos de cidadãos;
* para ultrapassar um fenómeno desta natureza, que viola quotidianamente os Direitos Humanos de mais de 84 milhões de pessoas na União Europeia (entre os quais se encontram aproximadamente 2 milhões de portugueses), é necessária uma mobilização e participação de todos os atores e, em particular das pessoas que enfrentam esses fenómenos; 
* a pobreza não é uma fatalidade mas fruto de decisões (de todos) que podem ser contrariadas por outras decisões opostas àquelas que estiveram/estão na génese das várias situações de pobreza; 
* a pobreza não pode ser combatida sem envolver os pobres na identificação dos seus problemas e das soluções para os mesmos, sem os escutar, sem os capacitar e sem os permitir participar nos processos de decisão que dizem respeito às suas vidas.”


In: Estudo sobre a percepção da pobreza em Portugal.
Disponível em:
http://www.amnistia-internacional.pt/files/Relatoriosvarios/RelatorioPobreza_com_indice.pdf

Crime, culpa e prisão

EXCLUSÃO SOCIAL , BAIRROS, ETNIAS E MERCADOS INFORMAIS: FACTORES DE CRIMINALIDADE

Os bairros de periferia ou zonas segregadas converteram-se durante os anos 80 num veículo propício ao tráfico de drogas, possibilitando benefícios económicos a populações em situação de precariedade económica, facilitando-lhes o acesso a práticas delinquentes, seja pela venda ou consumo de drogas, seja pela ausência ou rede deficiente de serviços sociais presentes nestes bairros. Sublinha-se também a influência multigeracional nos processos de exclusão, transmitida de pais para filhos, através de progenitores com problemas de alcoolismo, baixos recursos, baixas qualificações, desemprego e com práticas de economias informais. (Gonzalez, 2007)

Estas dinâmicas são transportadas para a vida prisional, nomeadamente a nível de sociabilidade. Os bairros de proveniência da maioria destas reclusas revelam idêntica pobreza e inserção em economias informais - mercados de droga locais, onde raça/etnia e classe interagem e a pobreza reúne populações etnicamente diversas.

Neste contexto evidenciam-se os ciganos, sem hábitos do mercado de trabalho formal, detentores de elevadas taxas de analfabetismo, estigma escolar e propensos desde muito cedo a práticas de economia informal; detêm fracas qualificações profissionais e ausência de tradição de trabalho assalariado. (Gomes, 2012)

Consequentemente, em contexto prisional, as mulheres ciganas, sobressaem pelas condicionantes da pertença étnica, são um estrato social desfavorecido, com a adição das particularidades que o género feminino produz no seu “caminho” desde a infância. A pobreza, na vida destas mulheres e família, associada a outros problemas sociais, reproduz-se e abre portas a actos delinquentes, habitualmente relacionados com o tráfico de drogas, não só por motivações económicas, mas também pelo meio envolvente. (Gomes, 2012)

A exclusão social na actividade criminosa, explica assim, a imersão destas mulheres do mundo do crime, por via do tráfico ou consumo de estupefacientes, um meio de sobrevivência num ambiente mais rápido e menos perigoso para a manutenção do enriquecimento. (Olmo e Vázquez, 2005)

A PRISÃO: PERDAS E RUPTURAS COM LAÇOS SOCIAIS

A “vida” na prisão não facilita os contactos com o exterior, normalmente as redes sociais evaporam-se, porque pertenciam apenas ao mundo marginal. Persistem os contactos com grupos religiosos que proporcionam suporte emocional (por vezes material) e os contactos com as demais reclusas, que muitas vezes reproduzem as mesmas dinâmicas ligadas ao mundo das drogas.

Esta vida prisional pode ser traduzida através da perda de capacidades como a autonomia, iniciativa, responsabilidade e tomada de decisão, expressando até processos de infantilização (Gonzalez, 2007). O uso de estratégias de sobrevivência em reclusão significam possibilidades de reinserção ou reabilitação, beneficiando reclusas cumpridoras da disciplina prisional, submissas, discretas e silenciosas, que de início já possuíam escolaridade mais elevada e maior nível social e económico. 

Pela sua adaptabilidade, estas reclusas recebem melhor tratamento da parte dos funcionários prisionais, concessão de regalias, etc., e maiores probabilidades de êxito na integração sócio laboral. A outra “face” apresenta-nos as reclusas que à entrada cumulavam desvantagens: toxicodependência, marginalidade, analfabetismo ou formação escassa, laços familiares instáveis, doenças, etc., aquelas com dificuldade de adaptação ao regime disciplinar, que enfrentam funcionárias prisionais, que recebem numerosos castigos, cumprindo as penas na íntegra e com menor contacto com os recursos externos que facilitariam o seu posterior processo de integração.

A localização das prisões afastada dos centros urbanos e com rede de transportes inadequada é outra das consequências da não manutenção das relações com o exterior; as famílias têm dificuldade em visitar as reclusas, quer pelo tempo, quer pelo dinheiro gasto na viagem e os horários de visita impostos implicam distanciamento e ruptura de muitos vínculos pessoais. O distanciamento referido prejudica as reclusas a nível psicológico e significa perda de oportunidades de futura inserção. (Gonzalez, 2007)

A “PRECÁRIA” SAÍDA DA PRISÃO

Prisão como ela é hoje, é sinónimo de ausência de mercado laboral e redutora da possibilidade de acesso ao mesmo, por inexistência de formação adequada, factor decisivo no panorama do mercado económico laboral. A limitação de uso e acesso às novas tecnologias considera em si mesma uma nova forma de exclusão, sustentada pelo abismo tecnológico e ignorância do mercado laboral.

O trabalho prisional é pouco qualificado e de “costas voltadas” para o exterior; a educação e formação profissional é reduzida à alfabetização, escolaridade, programas para estrangeiras, leitura e formação em novas tecnologias e a formação profissional a ocupações femininas como cabeleireiro e estética, confecção, ponto cruz e pintura.

Estas mulheres saídas da prisão, mesmo possuidoras de maior nível de acesso ao trabalho remunerado, continuam ainda a sofrer das fragilidades descritas através de desigualdades salariais, segregação de género, maior taxa de trabalho temporário, trabalho a tempo parcial e categoria laboral inferior. Para elas, a saída da prisão assemelha-se a uma nova condenação, adivinhando o medo do estigma social, germinando processos de ansiedade, insegurança e baixa auto-estima; se conseguem encontrar um trabalho e inserir-se em sociedade, têm de inventar anos de vida para ocultar esse passado. (Gonzalez, 2007)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de abarcar todas as temáticas explanadas deparamo-nos com jovens reclusas, com tradições e etnias, questões de género, pobreza e outras vertentes de exclusão nas suas variadas formas. Estas mulheres punidas pelos seus crimes e privadas de liberdade apresentam sintomas de outras privações, sejam elas morais, culturais, familiares ou outras. Em reclusão são privadas também da família, cônjugues e filhos e lamentavelmente ser mulher detida e toxicodependente, como desde os tempos dos nossos avós significa ainda “vergonha” exprimida pelo abandono. As “penas” vivem-se assim nas suas distintas facetas, por “culpa” dos bairros, da exclusão social, da pobreza, da etnia, do género, enfim…culpa pelo crime, culpa pela prisão, qual será a principal “culpa”?

BIBLIOGRAFIA

Gomes, S. (2012). Vidas Excluídas: Trajectórias ciganas femininas reflectidas em contexto prisional. VII Congresso Português de Sociologia, (pp. 1-14). Porto.
Obtido de: http://www.aps.pt/vii_congresso/papers/finais/PAP0077_ed.pdf

González, N. (2007). Mujeres de prisión. Em La prisión en España: una perspectiva criminológica (pp. 75-100). Granada, España: Comares.

Olmos, C. & Vázquez, M. (2005). Mujeres Jóvenes en Prisión. Revista de Estudios de Juventud, nº 69, pp. 30-48. 
Obtido de: http://www.injuve.es/sites/default/files/revista69completa.pdf


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