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Dar o peixe, ensinar a pescar ou remover os muros?

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Uma análise do artigo: “Aportaciones de la ética de la alteridad de E. Lévinas y la ética del cuidado de C. Gilligan a la intervención en trabajo social”, de Goldaracena e Pemán (2012)

A supremacia de princípios éticos em Serviço Social, (autonomia, bem-estar e justiça, entre outros), é reconhecida por estes autores inegável e com origem filosófica. Sob a ética racional e formal de Kant (centrada na noção de dever) a ação conduz-se por via do imperativo categórico: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”, não como nova moral, mas como critério para o agir moral). Sob o utilitarismo consequencialista de Mill (visão renovada e crítica da ética utilitarista de Bentham e espelho do positivismo de Comte e sua crença na ciência e no progresso da Humanidade), assenta na ideia de que cada pessoa deve articular os seus interesses particulares com os interesses mais comuns, de forma a que a sua ação seja boa, proporcionando a máxima utilidade a todas as pessoas envolvidas nos resultados da ação.

Estes princípios, embora reconhecidos pelos autores como imprescindíveis a qualquer profissional de Serviço Social, são vistos numa dimensão normativa da ética profissional e com função principalmente orientadora da conduta interventiva da profissão. Contudo, uma vez que é na dimensão prática da ética profissional que surgem os problemas concretos, segundo os autores, o Assistente Social necessita de outras ferramentas e perspetivas orientadoras, tais como a ética da alteridade (E. Levinas) e a ética do cuidado (C. Gilligan), pois o uso restrito e racional dos princípios pode delegar para segundo plano a afetividade humana, pois sob os princípios racionalistas, o sujeito moral deve centrar-se apenas no cumprimento dos princípios, tratando o outro de forma generalizada. É neste âmbito que Lévinas e Gilligan nos dirigem para além dos princípios, e com estes como base, inserem a afetividade humana, onde o profissional considera o utente na sua concreta e irrepetível singularidade.

Para Goldaracena e Pemán (2012), a ética da alteridade de Lévinas, confronta as filosofias de Edmund Husserl e Martin Heidegger. No idealismo transcendental de Husserl, o eu transforma-se intencionalmente para perceber o exterior, transformando o outro num outro eu (alter ego), análogo ao meu ego, mas outro. No realismo ontológico de Heidegger, o ser no mundo é entregue a situações que não escolheu, ser aí (Daisen), sob a regra fundamental da interpretação fenomenológica, o que “exige tornar visível cada fenómeno, especialmente em sua singularidade” (Heidegger, 1987/2009: 98), totalizando a singularidade do outro e reduzindo-a à medida do ser.

No entanto, Lévinas não foi o criador nem o primeiro filósofo a desenvolver o conceito de Alteridade. Conforme o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007: 34), “Ser outro é colocar-se ou constituir-se como outro”, sendo na dimensão de constituir-se para outro, através do seu rosto, que se pode desenvolver a sensibilidade da responsabilidade com o outro. (Silva Costa, 2014).

Lévinas critica a filosofia ocidental, pois esta coloca a ontologia como filosofia primeira, por se tratar do ser, reduzindo o outro ao nada (Gomes, 2008: 14), só se preocupando com o eu, tratando-o como centro do Universo. A dizer, segundo Goldaracena e Pemán (2012), que o “outro” é o que sei dele, se sei dele posso manejá-lo, manipular, dominar. Desde Parménides (que estabeleceu que o mundo sensitivo é pura ilusão, que os sentidos enganam, e que só mediante a razão (racionalismo), e não pela experiência, é possível chegar à verdade das coisas), passando por Kant, Husserl (cuja máxima aspiração é saber, transformando o “outro” pela intencionalidade no alter ego) e Heidegger (Daisen- ser aí - que acaba por integrar o “outro” à medida do “ser ), a ética permaneceu no presságio da ontologia, subordinada à lei moral de Kant, ao conhecimento de Husserl e ao “ser” de Heidegger.

Segundo os autores, a ética da alteridade de Lévinas, apresenta o “outro” absolutamente “outro”, como singularidade irredutível, pois precede sempre e excede o sujeito que o recebe, questionando se a moral deve reger-se por pautas de conduta e princípios abstratos, aplicados à priori a sujeitos singulares e concretos, frente a um imperativo categórico kantiano que estabelece a ética a priori (ausente de sensibilidade), categórica (não condicionada pelo exterior) e autónoma (o sujeito impõe-se racionalmente a si mesmo), propondo uma nova filosofia a partir da ética como filosofia primeira, abordando o conceito de alteridade como princípio da relação humana (Lévinas, 2009). Toda a operação ontológica como o conhecimento, deve ser sustentada pela sensibilidade preoriginaria que desperta a vigilância extrema do sujeito, segundo a qual devolverá a singularidade ao “outro” após cada categorização. É no contexto do face-a-face, que nasce a nova dimensão da ética primeira, nessa experiência fundada no rosto do outro, pensando a alteridade no conceito de rosto, onde se expressa a essência do ser humano de forma concreta, em oposição à abordagem exclusivamente racional da ontologia, que promove o “mesmo” a considerar o “outro” pela sua fachada visível.

Goldaracena e Pemán (2012), destacam então, a incorporação da noção de sensibilidade na ética de Lévinas, equiparadamente à ética do cuidado de Carol Gilligan, que devolvem ao corpo a sua sensibilidade, e como o fizeram também: Schopenhauer, para quem tempo e espaço são formas a priori da sensibilidade (Santos, 2011); Nietzsche, que considera a sensibilidade uma aptidão demandada a qualquer um em “mundos” social e culturalmente diferentes, cada um requerendo a sensibilidade e mentalidade mais conveniente de acordo com as suas diferenças (Schacht, 2011:70); Merleau-Ponty para quem a evidência que se tem do outro parte da sensibilidade e não do pensamento, pois dada a universalidade do sentir, vivendo o mesmo mundo, um corpo entra em contato com outro (Reis, 2008); ou Husserl, para quem a sensibilidade e as qualidades sensíveis não são a matéria de que a determinação categorial ou a essência ideal seria a forma “mas a situação em que o sujeito se coloca antecipadamente para realizar uma intenção categorial”. O corpo não é um objeto percebido mas um sujeito percipiente e a terra não é a base, onde as coisas aparecem, mas a condição requerida pelo sujeito para a perceção das mesmas. (Pereira, 1997)

Relativamente ao corpo, se para Platão o corpo está condicionado à alma, em Descartes ao cogito (“penso, logo sou"), Merleau-Ponty considera o corpo aquilo que se tem a par com aquilo que se é - tem-se e é-se corpo- sendo a corporeidade a representação que criamos na nossa mente, por meio da qual percebemos os nossos corpos e, principalmente, os compreendemos (Ferreira, 2010). Goldaracena e Pemán (2012), explicam que para Lévinas a corporalidade é afetada na diacronia, numa vulnerabilidade passiva da corporeidade pela qual o sujeito se vê condenado a responder, num desejo metafisico e preontologico: desejo irrefreável de servir o “outro”. Enquanto que Husserl considerou o corpo (e não só a consciência), como algo importante para a perceção, Lévinas concede mais importância à corporalidade que à consciência cognitiva na sua proposta ética.

Quanto à proposta ética de Gilligan, que admitiu as diferenças, complementa Kohlberg, para quem o “outro” se concebe generalizado (abstraindo-se do concreto para o geral), apresentando o “outro” concebido como singularidade concreta no seu contexto circunstancial, passando do geral ao concreto. Enquanto que para Kohlberg o sujeito moral tende a pôr-se no lugar do outro (pensa ou imagina o que o sujeito faria se estivesse numa pele e circunstancias nas quais nunca estará e que na hora da abstração desconhece por completo), Gilligan realça a importâncias das relações pessoais nas quais longe de meter-se intelectual ou imaginariamente no lugar do outro, cuida dele (o outro é alguém vulnerável e por isso necessitado de cuidado). Kohlberg continuou fiel ao principio kantiano, considerando fundamental a igualdade e imparcialidade no trato do outro generalizado, Gilligan reivindicou a existência de duas formas diferentes de assumir decisões morais, igualmente válidas (masculina e feminina), assinalando a importância da singularidade da perspetiva feminina a par da masculina, e não subordinada a ela. Na abordagem feminina, a moralidade centra-se nas responsabilidades das pessoas umas com as outras, num imperativo de cuidar delas, orientando para a responsabilidade da descoberta e avaliação do real e reconhecimento da complexidade do mundo. A abordagem masculina, nas sociedades ocidentais, centra-se em princípios básicos e no respeito pelos outros, em que a moralidade limita e orienta para a justiça (Gilligan, 1982).

Também Mary Richmond, afirmou: há que tratar diferente sempre de forma diferente, e é nesta linha, segundo Goldaracena e Pemán (2012), que Gilligan insiste na consideração da diversidade, assim como do contexto situacional do outro concreto, através das relações pessoais, fatores cruciais no Serviço Social, pois a ferramenta fundamental de trabalho é a relação interpessoal com o utente.

Recorrendo a Noddings (1984), encontramos também a ideia de que as teorias morais perdem (porque desqualificam), a relação com as pessoas concretas, olhando-as muitas vezes como estranhas, estrangeiras, ameaçadoras da lógica da generalização produzida pelo juízo moral, por não se encaixarem no padrão definido. Desta forma, o cuidado, requer contacto pessoal, varia conforme os indivíduos e as situações, e o que é bom para determinada pessoa numa situação, pode não ser bom para outra pessoa noutra situação. Como disse Lévinas” o sujeito é de carne e sangue (…) entranhas numa pele” .(Levinas 2003:136). O outro é o outro diferente de nós e não uma ideia nossa, e conforme Gilligan devemos tratar de conhece-lo ao máximo e o mais profundamente possível, tomando o tempo necessário para isso. Se para Kohlberg o sujeito moral é um sujeito racional com direitos e deveres, para Gilligan o sujeito ético é um sujeito que se preocupa com o outro porque o concebe na sua vulnerabilidade, necessitado de cuidados.

Kohlberg centra-se no que deve fazer o sujeito moral, Gilligan centra-se em cuidar daquele que o necessita, uma das grandes diferenças segundo Goldaracena e Pemán (2012), explicada por Levinas: a ética da justiça de Kohlberg centrada no “mesmo” encontra-se ontologizada, enquanto que a ética do cuidado de Gilligan centrada no “outro” não está. Desta forma, o universalismo de Kohlberg é substitucional (universaliza o “outro que perde a sua singularidade, unicidade exclusiva por integrar-se num todo ordenado, na totalidade de um sistema) enquanto que o universalismo de Gilligan é interativo (universalização onde a singularidade do outro é respeitada, dado que detrás da categorização abstrata volta-se a cuidar do outro concreto). Por outras palavras, na ética da justiça de Kohlberg o que se prepondera é a abstração do concreto ao geral (operações ontológicas abstratas e gerais), enquanto que na ética do cuidado de Gilligan o que predomina é o passar do abstrato ao concreto (o local, o circunstancial, o contexto situacional). Definitivamente, enquanto que a proposta de Kohlberg tende a intelectualizar o outro, cumprindo princípios e regras abstratas, Gilligan propõe o face to face das relações pessoais, nas quais surge de forma natural a necessidade de cuidar do outro concreto.

Em comum à ética da alteridade de Lévinas e à do cuidado de Gilligan, Goldaracena e Pemán (2012), observam que a importância outorgada à afetividade humana como determinante, considerando o emocional. Se para Lévinas a sensibilidade é que sustenta a responsabilidade e consequente vigilância extrema, para Gilligan a afetividade é inerente a uma relação pessoal onde esta surge de forma espontânea como necessidade de cuidar do outro concreto. Assim, para Lévinas, a sensibilidade é que nos impulsiona à excelência de todas as operações ontológicas, enquanto que para Gilligan, o ato que surge na relação com o outro concreto é o que leva o sujeito ético a saber o máximo possível e em profundidade do outro, levando-o a cuidá-lo sempre melhor.

Para Goldaracena e Pemán, (2012), ambas as éticas são abordagens com grande aplicação ao Serviço Social, em complemento ao principio ético universal e podem aportar outra perspetiva nas intervenções com os utentes: a sensibilidade, a implicação afetiva, o cuidado, o concreto e a contextualização do outro. A sensibilidade do sujeito ético em Lévinas responde prevoluntariamente ante o sofrimento alheio, garantindo desse modo que o outro não seja desconsiderado, mantendo a vigilância que impede categorizar definitivamente o outro no exercício das operações ontológicas, Gilligan sob a implicação afetiva que surge no cara a cara da relação interpessoal de cuidado, leva ao conhecimento mais aprofundado desse outro que não conhece, mas que deseja conhecer para poder ajudar, dando saída ao desejo de cuidá-lo da melhor maneira possível.

Goldaracena e Pemán, (2012), continuam a evidenciar no seu artigo que, em Serviço Social se desenvolveu mais a dimensão normativa que a dimensão prática da ética profissional, sendo que, a ética de Lévinas e de Gilligan são perspetivas que podem acercar-nos mais ao utente concreto. Se, em ambas as propostas, o principio racional universal suporia tratar o utente em relação a princípios abstratos estabelecidos a priori, desde a perspetiva de Lévinas tais princípios éticos são operações ontológicas, e o investir destes pela sensibilidade preoriginaria traria consigo uma maior humanização dos mesmos, pois seriam tidos em consideração no contexto de cada caso concreto, sempre à posteriori da irrupção do rosto. Por seu turno, Gilligan clarifica que a sua ética do cuidado é um complemento que amplia a ética da justiça de Kohlberg, desta forma, ambas as propostas, complementares, ampliam a aproximação aos princípios predominantes no Serviço Social, com base na noção de proximidade. Se tanto para Lévinas, como para Gilligan, a ética se produz em relação social e esta é uma das principais ferramentas de trabalho do Serviço Social, incorporar ambas poderia enriquecer a intervenção social. Tanto a ética da alteridade, como a do cuidado apostam essencialmente na consideração da relação cara a cara, um elemento emocional, que não foi tido em conta com a pertinência e relevância devidas anteriormente.

Sendo inegável e evidente a transcendência dos princípios ético-racionais na profissão, não basta aplicar apenas os princípios éticos de forma exclusivamente racional e abstrata nas intervenções profissionais, considerando os utentes como outro generalizado abstrato e universal, esquecendo o concreto do outro em cada sujeito concreto, que desperta quase inevitavelmente a nossa sensibilidade pré-racional e as nossas emoções. Ter em conta a emoção, leva-nos a humanizar mais a intervenção social. (Goldaracena e Pemán, 2012)

Bibliografia

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By © Fatma  - Porta Portuguesa

Ética, moral e valores

 

“Precious” apresenta-nos o drama social de uma jovem que como tantas outras adolescentes e crianças, seja no seio do seu lar ou até mesmo em instituições, se encontram com frequência expostas a situações de abuso e violência que pode apresentar-se sob a forma sexual, psicológica ou física. Ela é apenas uma adolescente com 16 anos de idade, apelidada de obesa e analfabeta pelos “ideais” societários e vítima de bullying na escola. Vive com a sua família disfuncional e foi violada repetidas vezes pelo pai durante a infância e adolescência, como consequência gerou dois filhos e continuou a sofrer persistentes abusos físicos e emocionais por parte da sua mãe desempregada.

A mãe de Precious apresenta características de alguém extremamente desequilibrado psicologicamente. Em parte, as negligências desta em relação a Precious derivam dos ciúmes que nutre contra filha, por a considerar uma concorrente no que respeita a relações sexuais com o pai desde criança. Mary, também obesa, fumadora e lamuriosa, obrigava Precious a trabalhar e a comer sem ser necessário, contribuindo assim para a destruição da sua pouca auto-estima. Estes procedimentos são ofensivos, cruéis e anulam todo o potencial construtivo que Precious pudesse desenvolver. Esta não evidenciava os seus desejos e necessidades, mostrando-se submissa e sem reacção, optava por refugiar-se do mundo e encobria o facto de não saber ler nem escrever.

Mary além de insultar e humilhar a filha, também não concordava com a sua frequência na escola porque acreditava que o estudo não ajudava as pessoas negras e pobres. Desempregada, sobrevivia através do auxílio da Assistência Social, destinado à filha e à neta. Nesta conjuntura infeliz, Precious depende da mãe financeiramente que tem a sua custódia e da filha. 

Ainda no contexto familiar de Precious aparece também a figura da avó materna, representando algum amor, carinho e segurança. Cuida de Mongo, a criança tem deficiência mental e por isso foi designada dessa forma, mas não tem “forças suficientes” para enfrentar Mary e acolher Precious. A família é também assistida por uma assistente social que visita a casa pretendendo averiguar quais as condições em que vive a filha de Precious, que nem sequer reside lá, apenas é levada para "teatralizar" uma situação de bons cuidados para com a criança. 

Quando Precious é violada pelo pai, envolve-se em exercícios de imaginação, onde se vê num palco a receber flores e aplausos, reconhecimento que jamais obtivera na vida real.

Precious revela-se assim sonhadora e a sua vida é um retrato de quem sofre a violência e o desamor proveniente do sítio que deveria significar amor, a família. Sonha com o professor de matemática a deixar a mulher branca para viver com ela, sonha ser magra, de pele clara e cabelos lisos e longos. Sonha também ser uma cantora de sucesso e ser a namorada de um homem belo e atraente. Sonha ainda com uma mãe amorosa e com o amor das pessoas, enfim, mentalmente cria outro mundo onde é amada e apreciada. “Eu gostava de ter um namorado com pele clara e cabelos fabulosos...eu queria ser capa de revista”, esta apresentou-se ao longo do filme a sua fuga para preservar minimamente a sua saúde mental, um mecanismo de defesa e parte da fonte da sua resiliência para suportar a estrutura familiar em que está inserida e as partes adversas da vida real.

Quando ficou grávida pela segunda vez, Precious foi expulsa da escola que frequentava, mas transferida para uma escola “alternativa”, onde se espera que Precious consiga dar um novo rumo a sua vida, uma vez que a nova escola se destinava a jovens com problemas sociais. Foi reconhecida como boa aluna a matemática e apontada pelo professor como “uma das melhores alunas, com um grande potencial”, alcançou assim estar no caminho certo e fortaleceu-se para lutar por uma vida mais digna e com oportunidades. 

Orientada pela nova professora Miss Rain, Precious começou a aprender a ler e escrever. Iniciou também nesta fase uma maior compreensão sobre si mesma, traduzida em revolta com a sua situação, terminando por relatar os abusos sofridos em casa à assistente social Miss Weiss.

Precious iniciou sem perceber, uma caminhada no sentido de tentar uma mudança de rumo na sua vida, com a ajuda de uma assistente social e com o apoio da professora da escola alternativa. A sua auto-estima alimentou-se através de diários dialogados, falou pela primeira vez na sala de aula e começou a descobrir o poder da comunicação e do conhecimento, sentindo-se parte do mundo. Compreendeu a sua condição de ser humano, em que todos, sem distinção de raça, cor, género ou classe social, têm direito à igualdade, liberdade e justiça, vivenciando no filme alguns juízos pré-concebidos não apenas enraizados na cultura americana, tais como o preconceito contra homossexuais que se manifesta na crença de Mary de que homossexuais não são pessoas boas, bem como na crença de que a SIDA só pode ser transmitida por sexo anal.

Entretanto Precious deu á luz o seu segundo filho e já não estava tão só porque as suas colegas da escola a visitavam. Precious conheceu a amizade e o carinho porque até o enfermeiro se interessou por ela e a ajudou. Quando voltou para casa, a mãe atirou com o bébé propositadamente e aí pela primeira vez Precious replicou; já havia ganho confiança em si própria e força para enfrentar a mãe dominadora.

Fora daquela casa, a vida “ganhou” outro sentido para Precious, é como se o passado não fosse mais que um pesadelo. Cuidando do seu filho e proporcionando-lhe o amor que não tivera, Precious desejava que a sua vida tivesse tido início nesse momento e queria “salvar” Mongo.

Precious tomou conhecimento de que o seu pai a contaminou com o vírus da sida, mas felizmente o seu filho não possuía o vírus. Encaminhada para um centro de reabilitação, vê-se aqui presente o programa de assistência e amparo, promovido pelo governo.

Nas cenas finais, a assistente social promoveu um encontro entre Precious e a mãe, após a insistência de Mary, onde foi abordado o abuso de que Precious foi vítima, e aí, Precious como que deu uma “guinada” no seu destino, por instinto materno, impulso, ou por consciência de si e da situação, pois independentemente de o filme não apresentar uma solução muito clara, esta saiu da audiência com os dois filhos ao colo, transportando contudo um ar de esperança e auto-confiança, concedendo significado a uma integridade não abalada apesar de tudo e transmitindo a esperança de poder fazer diferente com os filhos.

Análise

Segundo o Código de Ética, o Serviço Social difunde a mudança social, a resolução de problemas nas relações humanas e o reforço da emancipação das pessoas para promoção do bem-estar. Os princípios dos direitos humanos e da justiça social são fundamentais para o Serviço Social.

As declarações e convenções internacionais sobre direitos humanos alcançam padrões comuns reconhecendo direitos que são aceites pela comunidade global. Os documentos com mais relevância na análise a este filme para a prática do Serviço Social são:
  1. Declaração Universal dos Direitos Humanos; 
  2. Convenção sobre os Direitos da Criança. 

A nível familiar, observou-se que Precious não usufruiu dos seus direitos contemplados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que: “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, …”

Na Convenção sobre os Direitos da Criança, através do artigo 1º, “… criança é todo o ser humano menor de 18 anos…”, Precious ainda era uma criança e também não beneficiou dos seus direitos no que respeita à Convenção sobre os Direitos da Criança. Contemplando o Código de Ética do Serviço Social, vigente em Portugal, “O Serviço Social baseia-se no respeito pelo valor da dignidade inerente a todas as pessoas, e pelos direitos que daí advêm. As assistentes sociais devem promover e defender a integridade e o bem-estar físico, psicológico, emocional e espiritual de cada pessoa.

Tratar cada pessoa como um todo: as assistentes sociais devem considerar a totalidade da pessoa, a família, a comunidade, o meio social e natural, ou seja, identificar todos os aspectos da sua vida.

Identificar e desenvolver competências: as assistentes sociais devem focalizar-se nas competências de todos os indivíduos, grupos e comunidades e, dessa forma, promover o ”empowerment”.”

Apesar de ser um problema, o facto das assistentes sociais por vezes “funcionarem, simultaneamente, como suporte e controlo”, a primeira assistente social que “assistia” a família, foi negligente quanto á confirmação dos direitos de Precious constantes nas convenções, não agindo “ com solidariedade, empatia e cuidado com aqueles que utilizam os seus serviços” e não praticando os princípios constantes na matéria “Direitos Humanos e Dignidade Humana”

Analisando a postura desta assistente social à “luz” da Teoria Deontológica de Kant, afinal foi cometida uma “acção feita por dever”, as “únicas acções moralmente boas” e sendo assim, ainda segundo Kant cumpriu também o princípio “ético fundamental”, a “lei moral”, uma lei “racional e puramente formal”, ou seja, Kant propõe que o conceito ético seja extraído do facto de que cada um se deve comportar de acordo com os princípios universais, conhecido como princípio é imperativo porque se apresenta como uma obrigação e é categórico porque tal obrigação não está dependente de quaisquer desejos da pessoa. Pelo contrário, numa perspectiva utilitarista e segundo Stuart Mill, a sua “acção” não foi boa, porque não proporcionou “a máxima utilidade a todas as pessoas envolvidas nos resultados da acção.” (Mill 1861)

Existe confronto entre “ser um certo tipo de pessoa” e “fazer o seu dever”, esta é a essência do conflito entre dois tipos de teorias éticas. A teoria das virtudes encara uma pessoa com sentido moral como alguém que tem determinados traços de caráter: é amável, generoso, corajoso, justo, prudente, etc. As teorias da obrigação, enfatizam o dever imparcial: descrevem o agente moral como alguém que escuta a razão, determina a coisa certa a fazer e a faz. Já a idéia central do feminismo é: “Proteção, empatia, sentir com os outros, ser sensível aos sentimentos de cada um; todos esses aspectos podem ser guias melhores para o que a moralidade requer em contextos reais mais do que as regras abstratas da razão, ou o cálculo racional – ou podem ser, pelo menos, componentes necessários de uma moralidade adequada”. (Virginia Held 1990)


Associado à Ética e à Moral surge o conceito de Deontologia, que advém do grego deon, dever e logia, que significa conhecimento. A Deontologia tem por base uma ciência dos deveres, isto é, exprime o que é justo e conveniente que as pessoas façam, do valor que pretende visar e do dever ou normas que guiam o comportamento humano (Avila, 1969) in (Dias, 2004: 86). No entanto, a Deontologia relacionada com a Ética e com a Moral, é considerada como uma ética aplicada e cingida a um comportamento humano específico, o comportamento típico apresentado por alguém que desempenha determinada profissão. A Ética, a Moral e a Deontologia são conceitos fundamentados em valores. Por sua vez, os valores são normas ou critérios que afetam as esferas da atividade e conduta humana. Os valores têm um caráter normativo, advêm das leis essenciais do ser, são por isso, subjetivos e embora os valores não constituam metas nem objetivos, influenciam tanto o indivíduo como o grupo na escolha das decisões. (Avila in Dias, 2004: 87). Para Banks (2006), os valores podem ser considerados como tipos específicos de crenças que as pessoas têm sobre o que é considerado digno e valioso.

Numa perspectiva moral e com base na meta-ética deve ter-se em conta “…a variedade das atitudes morais de indivíduo para indivíduo ou de cultura para cultura…” (Fagot-Largeault 1997). Precious mesmo fazendo parte de uma sociedade marcada por valores e normas morais, passou dezasseis anos da sua vida à margem da moralidade do seu tempo. Ao longo de todo o filme a jovem, humilhada e agredida, não exterioriza a sua vontade de reagir e é refém da família desestruturada e da escola dita regular, numa dimensão ética descritiva e através de Fagot-Largeault (1997), constata-se que “…existem códigos morais diferentes…”.


A burocratização do serviço social segundo Howe (citado em Banks, 2001: 115) pressupõe que os assistentes sociais ganhem cada vez mais a tendência para se cingirem rigidamente aos procedimentos, para evitar a culpa se algo correr mal e sempre a postos para prestar contas sobre o que fazem ou o que não fazem, assumindo este mais o papel de um técnico a seguir regras, do que um técnico profissional reflectivo a utilizar um discernimento profissional. (Banks, 2004: 150-154; Clark, 2000: 90-110). Estes casos acontecem geralmente quando políticas e princípios formais, ou mesmo informais, mas com uma longa tradição de implementação, entram em conflito com as convicções e valores pessoais do assistente social (Reamer, 2006: 115-120).

Por outro lado, as equipas multidisciplinares (também chamadas transdisciplinares), apesar de todos os benefícios que possam trazer devido a toda essa partilha de conhecimento e opiniões, poderão também, eventualmente, acabar por dificultar a tomada de decisões, já que muitas vezes as opiniões são díspares, podendo ser difícil chegar a um consenso. (Banks, 2004: 128; Banks, 2001: 113-114).

A proteção do estado não foi capaz de garantir a Precious o direito à saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, colocando-a também a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Vasquez (1998) cita Moral como um “sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal”.

Outras “Contradições contemporâneas:

a) a sociedade contemporânea está marcada pelo individualismo e apatia em que os valores parecem esgarçados e as causas que nos mobilizam, dispersas, gerando incertezas, diversidades e diferenças;

b) a ética e a política estão diretamente relacionadas à história e à sociabilidade humana, mas expressas por meio de diferentes concepções, condicionando as diferentes visões de mundo, nosso modo de pensar e agir, nosso modo de ser;

c) a coexistência de projetos distintos em permanente confronto faz reconhecer as diversidades, limites e contradições, que também se manifestam no Serviço Social.”

Efectivamente o filme mostra com detalhe as falhas existentes na “rede de proteção” de Precious, começando pela escola de ensino regular, que durante os quase dez anos que Preciosa a frequentou, não conseguiu identificar os sinais e sintomas de violência, nem contornar as dificuldades de aprendizagem enfrentadas por ela. É sabido que Precious ocultava a sua realidade familiar “vestindo uma capa” de força e agressividade, afastando assim qualquer tentativa de aproximação, mas também se nota no filme certa falta de pedagogia nestas aulas, que pode atribuir-se a falta de meios para, devido à sua localização num bairro problemático.

Utilizando a “visão” da tensão indivíduo x sociedade em Durkheim, através das reflexões de Lukes (1997) in Lemos Filho (2009), elabora uma crítica aqui ilustrada pelas constantes evasões de Preciosa. Para Lemos Filho, embora Durkheim mostre o poder da sociedade sobre o indivíduo, não deixa claro que “os factos sociais existem fora dos indivíduos, mas são interiorizados, passando a existir nas suas consciências; e que só são externos no sentido de que lhes foram transmitidos socialmente.” (Lemos Filho 2009 p. 61). Sempre que Preciosa passava por situações extremas (violação e demais violências físicas e psicológicas), refugiava-se nos seus devaneios. Neles via-se aceite, adorada e amada e por vezes como uma jovem branca, magra, de cabelos lisos e olhos claros, desejo que exemplifica o dito por Lemos Filho (2009): um padrão de beleza que lhe foi imposto socialmente (externo), mas que perante o tamanho do poder da consciência colectiva a representação social, Precious assume-o como seu (interiorização).

Apesar dos infortúnios e “dramas”, felizmente Precious conseguiu encontrar a ética profissional com os seus bons valores e a moral. Primeiro, através de um “rasgo” da Directora da escola “normal” Mrs. Liechtenstein que conseguiu transferi-la para uma escola alternativa, para que Precious construi-se um novo rumo para a sua vida, e,seguidamente na nova professora Miss Rain, que a inspirou para começar a aprender a ler e escrever, alimentou a autoestima, apoiou, cuidou e amou. “…Na realidade, muitos dos valores do serviço social são partilhados por outras das profissões, mas a natureza do papel do trabalho influencia a forma como um profissional específico coloca os seus valores em prática…” (Banks, 2001: 110-112). Banks (2001:113-114) defende ainda que o facto de alguns valores poderem ser reforçados por uma profissão específica, enquanto outros podem ser partilhados entre profissões diferentes, é uma das características positivas do trabalho multidisciplinar, já que, segundo esta autora, a essência de uma equipa multidisciplinar de sucesso, é precisamente a mistura de objectivos e valores que são partilhados juntamente com uma contribuição distinta de cada um dos profissionais envolvidos.

O filme realça também a importância da educação, já que Precious após o inicio da sua alfabetização, conseguiu falar com a assistente social Mrs. Weiss, enfrentar os problemas com a mãe e conseguiu ser boa mãe. Durkheim por exemplo, via a educação e a política como as forças morais capazes de ordenar a sociedade, juntar os indivíduos e (re)integrá-los na sociedade. “A educação é o fim e a fonte da moralidade (...) e a moralidade é a grandeforça coesiva da sociedade. A função básica da sociedade é justamente transmitir valores morais”. (Durkheim, 1978 apud Lemos Filhos, 2009 p. 69). Para ele “a educação, é também um facto social fundamental na estrutura da sociedade, que imposta a todos os indivíduos, os pressiona a agir de acordo com a lei, valores, costumes e tradições, conformando-os, acomodando-os, moldando-os às demais regras e aos determinismos sociais: desde os primeiros anos de vida, as crianças são forçadas a comer, beber, dormir a horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiénicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos outros, a respeitar usos e conveniências e forçamo-las ao trabalho, etc”. (Durkheim, 1978 b, p. 5 apud Lemos Filho, 2009, p. 61)

Considerações finais

Após uma análise atenta e reflexiva do filme, Precious em conformidade com as perspectivas descritas, e, cumprindo a conjectura da obra de Émile Durkheim, com base na reflexão sobre o funcionalismo por ele proposto, é um problema social. Para retomar o equilíbrio social fracturado pela instituição familiar, as restantes instituições sociais são obrigadas a actuar para evitar o desregramento da sociedade como um todo. Desta forma, o Estado deve, prestar assistência médica, educativa, social e psicológica a Precious, intentando na sua renovação e inclusão social.

A sociedade, como um todo, tem responsabilidade directa para com Precious, disponibilizando no âmbito das suas atribuições a assistência necessária, incluindo também atitudes individuais de vizinhos, colegas, professores e outros familiares. A inclusão social de Precious todavia não pode ser vista através de Durkheim como uma grande mudança ou transformação social em larga escala, porque por mais que o filme aluda à metamorfose de Precious, a ligação entre a primeira e a última cena do filme permite afirmar que a mudança na vida de Precious é limitada à readaptação na estrutura social em vigor e à reconquista da regularidade social.

Independentemente de ter existido uma grande mudança no interior de Precious, o que a habilitou a comandar a sua vida, a ser sujeito e não objecto, a sua função como peça do “mecanismo” sociedade não consente que alcance grandes vôos uma vez que a análise funcionalista favorece o estudo do todo (sociedade) ao estudo das partes (indivíduos). Émile Durkheim (1858-1917)

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By Fatma