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O SERVIÇO SOCIAL (DES)SINDICALIZADO E A SUA RELAÇÃO HISTÓRICA COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS


Alves (2014), descreve um sindicato como uma associação voluntária agregando interesses e valores partilhados pelos trabalhadores, no sentido de ultrapassar a competição entre si, objetivando defender e promover interesses comuns, estruturado por princípios organizativos (ramo de atividade, profissão, empresa/serviço) e  visando defender das perniciosidades da industrialização e arbítrio patronal,  participativo na regulação do mercado de trabalho, numa “ordem industrial” que proporcione justiça, ou como instrumento  de luta pela emancipação social. (Alves, 2014)

O movimento sindical atravessa uma grave crise, explicado em parte, por Alves (2014), devido a mudanças estruturais sociais (desagregação das comunidades de trabalho ou impossibilidade de as construir, condição essencial para que o desenvolvimento da ação coletiva se possa desenvolver), potencialização da instabilidade e insegurança no emprego(advinda da precariedade e do desemprego), transformações das características da classe trabalhadora (quantitativas e qualitativas), individualização das relações sociais de trabalho (ladeando-se a negociação coletiva, que perde eficácia e declínio da sua cobertura), fortalecimento do unilateralismo patronal (por via de práticas prepotentes, dominantemente cooptadas ou subtilmente coercivas, consentindo os trabalhadores nesta dominação, cooperando com a reprodução do capital) (Burawoy, 1979), desiguais  estilos de vida, etc.

Esta crise também se explica, segundo Alves (2014), pelas mudanças na estrutura política, nomeadamente, transformações na intervenção do Estado, por via de privatizações, desmantelamento do Estado Social e aumento do unilateralismo estatal, imposição de leis laborais des-reguladoras do mercado de trabalho e legislação anti-sindical, etc. Quanto às mudanças na estrutura ideológica, devem-se ao aumento do individualismo, à quebra da cultura operária com base em valores de igualdade, solidariedade, camaradagem, coletivismo, etc.

Para Tilly (1995), se não existir reforço da organização dos trabalhadores, a própria democracia arrisca-se a ser esmagada “pelas novas oligarquias do capital”, que os Estados não conseguem controlar e com as quais conspiram até, restabelecendo níveis de acumulação. Contudo, o futuro do sindicalismo depende inevitavelmente da existência de sócios, em construção de uma organização sindical nos locais de trabalho que permita reforçar a sindicalização (Alves,2014), numa aliança de “capacidade estratégica”, elaborando-se, implementando-se e difundindo-se uma agenda própria que expresse o pensamento, interesses e objetivos dos membros e que inclua reivindicações, seus projetos e a forma como são encaradas as relações sociais (Hyman, 1997, 2007). Alves (2014), refere ainda a importância de agrupar também a “solidariedade interna”, em reforço à democracia sindical, fortalecendo a coesão entre os trabalhadores e entre estes e a organização, aprofundando relações entre as várias organizações sindicais tanto a nível nacional como internacional e  o estímulo à “solidariedade externa”, onde sindicatos trabalhem na/com a comunidade envolvente, coligando outro tipo de associações em articulações de  coordenação  horizontal e vertical, ligando combates laborais e outros mais gerais. (Lévesque e Murray, 2003)

Carvalho da Silva (2009:1), refere que, “o sindicalismo emergiu como forma de organização da(s) classe(s) trabalhadora(s), numa construção coletiva, tornando-se uma extraordinária conquista dos trabalhadores, em primeiro lugar, contra as condições que lhes eram impostas, e logo, pela dignidade e por direitos no espaço de trabalho, dando sentido ao conceito de emprego”, assumindo-se, portanto, como um movimento de solidariedade e emancipação política em busca do fim da exclusão e exploração. Mas, à parte a natureza do sindicalismo, este surge conexo à evolução da sociedade no seu conjunto, pois tende a compensar a ausência de integração social advinda da destruição da solidariedade profissional, uma das consequências da sociedade industrial. Hugg Clegg (citado por Freire, 2001), menciona os sindicatos como umas das forças mais poderosas que modelam a nossa sociedade e determinam o nosso futuro, e diz que se a par da globalização existe solidariedade internacional, observa-se que os sindicatos além de competência de intervenção e transformação nacional atuam também a nível europeu e mundial, criando estruturas facilitadoras da comunicação entre países. Mas, por o poder sindical estar enfraquecido, a sua esfera de atuação a nível transnacional é como que inexistente, destacando-se como principais dificuldades para a transnacionalização do sindicalismo as raízes sindicais nacionais, a deficiente teorização sobre o tema, as diferenças de país para país em termos legislativos, a interferência de atores patronais e estatuais,  a competitividade intrasindical, as atitudes sindicais de resistência, o apoio insuficiente das instituições regionais de regulação laboral e a debilidade dos interesses sindicais. (Ribeiro, 2013)

Ribeiro (2013), argumenta que a reinvenção do sindicalismo requer a sua ascensão a sindicalismo de movimento social global, com intervenção dos cidadãos e extensível ao além da esfera laboral, defendendo valores democráticos a alargar à democracia, deve também possuir preocupações ambientais, defender os consumidores e colocar os saberes e tradições locais no núcleo das lutas e negociações, dotando-se de capacidade de resistência ao capitalismo destrutivo. O diálogo social deve integrar o debate democrático e contribuir para o aprofundamento da democracia laboral e normas laborais, porque “as relações laborais poderão numa perspetiva emancipatória, transformar-se de relações de subordinação em relações de autoridade partilhada, (re)democratizando-se assim o espaço de produção (Estanque e Ferreira, 2002:156).

A diminuição dos níveis de sindicalização não significa uma rejeição ou distanciamento dos trabalhadores em relação aos sindicatos, pois quando têm um problema é a estes dirigentes que procuram. Em Portugal, normalmente os trabalhadores não se sindicalizam devido à obrigatoriedade do pagamento de quotas e ao medo de represálias no local de trabalho, quando, no entanto, o movimento operário sempre foi a base do sindicalismo em Portugal. A conceção das relações de classe baseia-se nas contradições de classe, herdadas do marxismo, uma visão, contudo, inadequada à realidade do nosso país, porque a classe do indivíduo deixou de ser fator determinante do conflito político, numa esfera política que persiste em exibir-se como base principal das desigualdades, relativamente aos distintos acessos que os indivíduos têm ao poder (Ribeiro, 2013). Esta politização, no seio do sindicalismo e da luta de classes, é representativa de um dos principais obstáculos ao compromisso entre empregadores e empregados, para acordo quanto à atuação na esfera laboral, sendo o sindicalismo português politizado, orientado para a intervenção do Estado e até dependente dele” (Stoleroff, 1998:148)

Como principais obstáculos e desafios colocados ao sindicalismo em Portugal, Ribeiro (2013) aponta a dispersão e a localização dos pontos de conflito (em prejuízo da mobilização para a ação), o crescimento do poder económico e financeiro (em detrimento do poder político), a dificuldade na análise das evoluções estruturais e organizacionais do capital, atrasos na resposta a problemas fundamentais (aumento da esperança média de vida, imigração, aumento quantitativo e qualitativo das mulheres no mercado de trabalho e a exigência de novas competências), dificuldades no rejuvenescimento e renovação dos sindicalizados, articulação da intervenção local com uma intervenção alargada e reafirmação do espaço dos sindicatos (divulgação dos seus valores e objetivos). O contexto político é pouco favorável à participação coletiva, dotando o patronato de mais poder e retirando condições favoráveis à ação sindical, impedindo o desenvolvimento da atividade sindical, e contribuindo para o enfraquecimento dos valores de uma sociedade democrática avançada (Estanque, 2013). Como efeito das políticas neoliberais no mundo do trabalho destacam-se, a existência de um mercado desregulado e a intensificação das velhas e novas formas de exploração. A acrescer, com os sindicatos concorrem também os advogados, que devido à falta de trabalho se especializam nas questões laborais, dando resposta às necessidades dos trabalhadores. (Ribeiro, 2013)

Noutra perspetiva, Ribeiro (2011) aclara que, a organização dos estudantes de Serviço Social em Portugal após 1974 participou ativamente nas lutas entabuladas pela categoria profissional, estabelecendo-se alianças na defesa de direitos transversais a todos os estudantes. Presentemente, os estudantes não se mobilizam, estão” apáticos”, após um 25 de Abril que “abriu” os alunos ao movimento estudantil, participando estes ativamente no processo de transformação da sociedade, nas lutas da categoria profissional e na gestão democrática das instituições de ensino por via do princípio da representatividade. Aliados à categoria profissional, os estudantes lutaram pela integração da formação no ensino superior oficial e obtenção de grau académico, numa forte mobilização com impacto nacional. A categoria profissional reconheceu à data, a importância da participação dos estudantes para a materialização da luta, em que o contributo dos estudantes foi essencial para a conquista, num processo que demonstrou dinamismo e poder da sua união. A partir de 2004, a organização estudantil decaiu e tornou-se impercetível, virando-se as Associações de Estudantes para o interior das suas instituições, sendo as suas atividades maioritariamente direcionadas para o lazer. As atividades de carácter solidário adotam características conservadoras e assistencialistas e a participação dos estudantes nas dinâmicas destas organizações transformou-se num meio de alcançar objetivos pessoais, curriculares e políticos. Os princípios individuais sobrepuseram-se aos coletivos, que se resumem à defesa dos interesses dos alunos dentro das suas instituições, numa ausência de participação ou integração na categoria profissional. As Associações de Estudantes não têm a dimensão política de outrora, interessando questionar a fraca participação dos estudantes de Serviço Social, nas suas entidades representativas.

A atual conjuntura política, social, económica e cultural e as mudanças da formação, concorda Ribeiro (2011) que, alteraram expressivamente o perfil dos estudantes acentuando a sua situação de fragilidade, onde à vista de um mercado de trabalho, cada vez mais neo-liberal e precário, talvez seja vantajoso formar quem aplique apenas políticas sociais assistencialistas sem questionar, assistindo-se ao retrocesso de ideais defendidos e à retirada dos direitos democraticamente conquistados, numa dimensão coletiva estrangulada e desconsiderada pelos próprios estudantes, onde as referências históricas se desvalorizam, prevalecendo o excesso de preocupação com o futuro, desprezando-se um possível espaço político de, resistência, defesa da qualidade da formação e direitos sociais. O número de alunos de Serviço Social aumentou, a precarização da formação e do mercado de trabalho são visíveis para os estudantes e para a categoria profissional, contudo, é inegável a necessidade social de defesa de direitos, por parte dos profissionais de Serviço Social, mas mesmo assim os alunos não reagem, apenas se adaptam.

No entanto, não se pode culpabilizar os estudantes quanto à sua ausência da mobilização, pois esta situação deve-se a fatores conjunturais, as relações dos estudantes com as entidades da categoria são quase inexistentes, não se veem os estudantes como futuros profissionais e parte integrante e essencial da categoria profissional, e não se lhes reconhece a importância devida nas lutas de classe profissional. A sua cooperação ativa nas lutas e conquistas do passado caiu no esquecimento, quando os estudantes de hoje são os profissionais de amanhã que têm de responder ativamente aos desafios profissionais e sociais da atual conjuntura. No entanto, é essencial que os estudantes reconheçam o seu poder reivindicativo e mobilizador, que reconsiderem e potenciem a sua politização e criticidade perante a realidade que os rodeia, destacando-se desta forma como agentes ativos de transformação, consciencializando-se do relevo do seu percurso histórico onde assumiram uma posição de sujeitos políticos, ativistas da construção da identidade e afirmação do Serviço Social, resgatando e revitalizando desta forma, a legitimidade e o impacto de antigamente. (idem)

Iamamoto e Carvalho (2006), defendem que, o Serviço Social profissão fundamentalmente ligada a interesses classicistas contraditórios e que fundamentam a sociedade capitalista, afirmou-se como especialização do trabalho coletivo, expressando necessidades sociais advindas da prática histórica das classes sociais em confronto à “questão social”, sendo a demanda colocada ao assistente social inspirada pela classe oposta àquela, alvo de intervenção. Empregado por instituições ocupadas por setores da classe dominante, o assistente social interfere nas condições de vida dos trabalhadores, incorporando o processo de criação das condições imprescindíveis ao funcionamento da força de trabalho, entendendo-se o Serviço Social como uma profissão de natureza contraditória, pois vincula-se a interesses contraditórios em ambas as classes sociais que firmam a realidade social. (Duriguetto e Baldi, 2012)

Na linha de pensamento de Abreu (2002:17), o Serviço Social possui uma função pedagógica materializada “por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática”, onde para Abreu e Cardoso (2009) as ações de mobilização e de organização são “elementos constitutivos e condição indispensável na concretização das práticas educativas desenvolvidas pelo assistente social”. Estas ações unem diferentes projetos societários das classes sociais, sendo que “uma direção circunscreve essas ações no horizonte histórico do Estado do bem-estar” e outra vincula-as às lutas dos trabalhadores “para garantia e ampliação das conquistas sociais e políticas” e o “avanço dessas lutas na perspectiva do fortalecimento dos processos de superação da ordem burguesa e da conquista da emancipação humana”. A vinculação a uma ou outra direção “é determinada pelos compromissos profissionais estabelecidos com as classes sociais e materializa-se pelos efeitos da ação profissional no modo de pensar e de agir dos sujeitos envolvidos nos processos das práticas educativas” (Abreu e Cardoso, 2009: 600-605).

O “fortalecimento dos espaços de luta dessas classes” possibilitam a composição de “sujeitos coletivos capazes de participar da construção da hegemonia das referidas classes, construindo espaços de debate legal e político, ou seja, “espaços de luta, espaços de enfrentamento entre interesses antagônicos, na explicitação de demandas das classes subalternas e implementação de respostas às suas necessidades”  (Duriguetto e Baldi, 2012:198). Utilizar  a comunicação social por via da linguagem escrita e audiovisual, propulsiona também a consciência crítica e a formação de sujeitos coletivos, produzindo dados relativos às diferentes expressões da questão social vividas nos diferentes espaços sócio ocupacionais (Cardoso, 1995). Desta forma, numa dimensão ideopolítica da intervenção do Serviço Social, habita a hipótese de influência crítica dos assistentes sociais relativamente aos valores, comportamentos e ações dos sujeitos com os quais trabalham. (Duriguetto e Baldi, 2012)


Bibliografia
Alves, Paulo Marques (2014), “O Movimento Sindical Português no Turbilhão da Crise Global do Sindicalismo”, in Raquel Varela e Paulo Mattos (orgs.), Demografia e Relações Laborais, Lisboa, Edições Colibri
Burawoy, Michael (1979), “Manufacturing Consent. Changes” em  The Labour Process under
Monopoly Capitalism, Chicago, University of Chicago Press
Tilly, Charles (1995), "Globalization threatens labor's rights.", International labor and working-class history, 47 1-23
Hyman, Richard (1997), “The future of employee representation.", British Journal of Industrial Relations, 35(3):309-336
Hyman, Richard (2007), "How can trade unions act strategically?”, Transfer: European Review of Labour and Research, 13(2):193-210
Lévesque, Christian e Gregor Murray (2003), "Le pouvoir syndical dans l’économie mondiale: clés de lecture pour un renouveau.", La Revue de l’IRES, 41:149-176
Ribeiro, Sara Cristina Mendes (2011), "Movimentos e lutas estudantis em serviço social nas últimas décadas em Portugal e no Brasil."
Ribeiro, Vera da Conceição Pires (2013), Sindicalismo em Portugal: limites e desafios, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Duriguetto, Maria Lúcia e Luiz Agostinho de Paula Baldi (2012), “Social Work, mobilization and popular organization: a systematization of the contemporary debate.", Revista Katálysis ,15(2): 193-202
Iamamoto, Marilda Vilela e Raul de Carvalho (2006), Relações Sociais e Serviço
Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica, São Paulo Cortez, (2ª Edição)
Abreu, Marina Maciel e Franci Gomes Cardoso (2009), "Mobilização social e práticas educativas.", Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais, CFESS/ABEPSS, 593-608
Cardoso, Franci Gomes (1995), Organização das classes subalternas: um desafio para o Serviço Social, São Paulo Cortez Editora e EDUFMA
Freire, João (2001), Sociologia do Trabalho - uma introdução, Porto, Edições Afrontamento
Estanque, Elísio e António Casimiro Ferreira (2002), “Transformações no mundo laboral e novos desafios do sindicalismo português”,  Revista Crítica Ciências Sociais, Coimbra, Oficina do CES 62:151-188
Stoleroff, Alan (1988), “Sindicalismo e relações industriais em Portugal”, Sociologia, problemas e práticas, 147-164