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Dar o peixe, ensinar a pescar ou remover os muros?

Caso Social Individual


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Serviço Social - Identidade e Reflexão


Na visão de Granja (2011), a construção identitária dos assistentes sociais como grupo profissional (identidade coletiva) produz-se pela interação do sujeito com outros inseridos nas estruturas de socialização profissional (formação, integração nos grupos de pares, contextos institucionais, dinâmicas do mercado de trabalho e processos sociais); efetiva-se desta forma a intervenção profissional, organizando estruturas sociocognitivas, produção de experiência, sensibilidade e interiorização de valores. A reflexão sobre a ação constitui a construção e reconstrução identitária profissional; o trajeto da ação (presente e futuro) influencia-se mutuamente e conflitua agir profissional e conhecimento científico forçando a articulação das lógicas do agir profissional e as lógicas dos sistemas e atores, coagindo os profissionais a escolhas e decisões responsáveis por afetos e emoções num sistema constante e ativo no tempo e no espaço.

A reflexão é essencial para o distanciamento, contestação e comparação, certificando a conformidade entre variáveis reguladoras dos problemas e as estratégias de ação para a sua resolução; construir conhecimento é observar, refletir, dar sentido à experiência, aprender a agir em situação, sentir e gerir os sentimentos, as emoções a vida e as relações com as pessoas (Charlot, 2004). A identidade reflexiva obedece a interações: necessita de experiências relacionais para se construir; engloba interação, atividade cooperativa, processos de decisão, supervisão, pedido de ajuda ou conselho, debate contraditório ou avaliação. A prática reflexiva explana a “mediação de conceitos que possibilitam nomear e (re)construir problemas”, experiência e programas operacionais; permite ponderar a pertinência dos fenómenos, numa base analítica, nomeando padrões regulares na atividade profissional para que se reconheçam, explicitem e transmitam, como procedentes do saber profissional. (Granja, 2011:161) 

A análise da ação profissional não se limita à análise do saber fazer dos procedimentos profissionais desenvolvidos na atividade; inclui a descrição do saber fazer nos processos reflexivos e críticos, dos processos de aprendizagem e saber agir e a superação da leitura empirista da atividade, onde a teoria não se desprende da ação, mas explica a dinâmica social e norteia as possibilidades da ação nos processos sociais (Neto, 2000, citado por Granja, 2011:163). Ações profissionais, reuniões, encontros formais e informais ocasionam reflexividade e produzem “filtragem identitária”, em que as opções são conduzidas pelo saber fazer profissional, reelaborando identidades coletivas inerentes às identidades individuais que as sustentam (Granja, 2011:164). Se, essa linguagem perfilhar a estruturação e formalização escrita, valora o profissionalismo do grupo (Lopes e Pereira, 2004), confere significado aos novos sistemas de validação, corrobora as configurações da identidade profissional e materializa e qualifica o discurso comum sobre o trabalho (alvo do pensamento). (Granja, 2011)


By Fatma

Bibliografia:
Granja, Berta P. (2011), Assistente social-Identidade e saber, Dissertação de doutoramento em Ciências do Serviço Social, Porto, ICBAS

Políticas de desigualdade como políticas de classe?


“Acontece, porém, que se tem vindo a assistir a um fenómeno singular, de sentido inverso: a proliferação de políticas de desigualdade. Desse modo, também a liberdade vai ficando ameaçada. Este processo parece ter apanhado muitos de surpresa. Tanto nas perceções e conceções correntes na esfera pública como nas análises e debates especializados das ciências sociais, até há pouco essas políticas de desigualdade não tinham sido reconhecidas pelo que são, ou nem sequer tinham sido claramente identificadas enquanto tal. Os encadeamentos causais implicados surgem-nos ainda bastante imprecisos ou controversos. As consequências, estando a ser já diretamente experimentadas por vastos setores sociais, não foram até agora suficientemente mapeadas e analisadas. De certo modo, o contexto de progresso económico e social prolongado que se verificou na segunda metade do século XX ajuda a compreender, embora paradoxalmente, as dificuldades de reconhecimento das presentes políticas de desigualdade. Com efeito, sedimentou-se socialmente nessa época a noção de que as políticas públicas equivalem, no essencial, a políticas de igualdade. De maneira direta ou indireta, em maior ou menor grau, esse era um atributo fundamental da fiscalidade progressiva, da legislação laboral, da segurança social, dos sistemas públicos de educação e de saúde, das infraestruturas públicas de energia e saneamento, transportes e comunicações — elementos nucleares do complexo de instituições e políticas constitutivas do que se veio a chamar Welfare State, Estado-providência ou Estado-social. Não nos equivoquemos a esse respeito. As assimetrias estruturais, os contrastes de condições de existência, os sentimentos de injustiça e os conflitos sociais estiveram bem presentes nessas sociedades. Isso não desmente, porém, o facto de nelas ter prevalecido um tipo de políticas públicas — largamente induzidas, aliás, por essas dinâmicas sociais — que não só incentivou o desenvolvimento e o bem-estar como reduziu substancialmente as desigualdades económicas e sociais. A partir dos anos 80 do século XX ocorre uma inflexão profunda no centro do mundo mais desenvolvido: as políticas de igualdade começam a ser substituídas por políticas de desigualdade. Inicia-se um processo de agravamento prolongado das desigualdades, nomeadamente das desigualdades de rendimentos, de riqueza, de oportunidades de emprego, de direitos laborais, de acesso a serviços, de possibilidades de mobilidade social. Esse processo encontra-se hoje em pleno curso. As pesquisas de Thomas Piketty, minuciosamente documentadas e brilhantemente analisadas, são particularmente importantes por evidenciarem essa inflexão nas desigualdades económicas, iniciada quase meio século depois de uma outra inflexão igualmente drástica mas de sentido inverso. Não menos importante é permitirem medir o agravamento continuado dessas desigualdades na atualidade, explicar lógicas económicas fundamentais subjacentes e compreender aspetos cruciais das relações dessas mudanças estruturais com a inversão de políticas. O processo teve o seu foco nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, onde se concretizou de forma rápida e intensa, regressando essas sociedades aos níveis elevadíssimos de desigualdade económica que as caracterizavam um século antes. Noutros países, nomeadamente na Europa, as dinâmicas têm sido mais variadas. Nos países nórdicos, por exemplo, ou no centro da União Europeia (nomeadamente na França e na Alemanha), a inflexão de políticas também tem vindo a ocorrer, mas não de forma tão transversal e concentrada, verificando-se ainda assim um crescimento das desigualdades, embora em menor grau. Em Portugal, as desigualdades económicas e sociais percorreram na última década uma trajetória em U. Partindo dos mais altos níveis inigualitários no contexto europeu, verificou-se durante alguns anos um decréscimo progressivo das desigualdades (não só de rendimentos, aliás, mas também educativas, de género e outras). Nos últimos anos, porém, o sentido mudou para uma dinâmica de acentuação das desigualdades. Os fatores atuantes são diversos. Um dos mais relevantes tem sido, notoriamente, a promoção de políticas de desigualdade. Alguns dos exemplos mais evidentes incluem as políticas de cortes de salários e pensões, de redução de subsídios de desemprego e de apoios sociais a famílias carenciadas, de crescente desproteção e precarização do emprego, de encarecimento de rendas de casa e custos de transportes, energia e outros componentes vitais da existência quotidiana. A estes somam-se as enormes assimetrias dos impostos sobre os rendimentos, muito desfavoráveis aos rendimentos de trabalho por comparação com os rendimentos de capitais e transações financeiras. No conjunto, configuram-se como políticas assimétricas, que favorecem os mais favorecidos (ao contrário dos critérios de justiça como equidade, preconizados por Rawls), concentrando recursos e poderes num feixe restrito de setores privilegiados. Estas novas “políticas de classe” têm vindo a agravar as desigualdades, ampliando os contrastes de condições de vida e intensificando as polarizações sociais. Com as restrições crescentes de recursos e oportunidades, grande parte dos membros da sociedade tem sido confrontada com uma degradação das condições de exercício das liberdades, no sentido em que lhes tem vindo a reduzir, como diz Amartya Sen (2009), as possibilidades efetivas de fazerem escolhas e realizarem ações que cada um tem razões para valorizar. Por isso, e porque conduzem a uma concentração extremamente restrita e arbitrária do poder de decisão política e económica (Stiglitz, 2012), as referidas políticas de classe são não só um fator de agravamento da desigualdade mas também uma ameaça à liberdade.”



Desigualdades em Questão Análises e Problemáticas
Renato Miguel do Carmo e António Firmino da Costa (orgs.)

Fonte: http://www.mundossociais.com/temps/livros/03_25_15_31_desigualdadesquestaofftindiceintrod.pdf

Relatório do Desenvolvimento Humano 2014

Modelos de Intervenção Social

Fonte: http://servicosocial.pt

"A Intervenção Social em Serviço Social é concetualizada, neste artigo, como instrumento da prática profissional e como reflexo dos contextos circundantes ao sistema profissional e ao sistema económico, politico e ideológico tendo como finalidade a mudança de todas as situações geradoras de tensão e desequilíbrio social ou potenciadoras de exclusão. Permite-nos identificar o propósito da Intervenção Social como um elemento identitário da profissão de Serviço Social e simultaneamente refletir sobre as potencialidades e constrangimentos que se afiguram, atualmente, ao seu reconhecimento como metodologia de ação científica e profissional onde uma polissemia de modelos de organização do agir profissional parece resultar no esvaziamento de uma prática consistente com as finalidades evolutivas e políticas do Serviço Social moderno."

In: Santos, C. C. (2014). Organização da prática profissional do serviço social em modelos de intervenção social.

Serviço Social - Utopia ou Realidade?


"...Os assistentes sociais durante o exercício profissional são confrontados com a necessidade de atingir objetivos e metas, fazendo recurso a estratégias metodológicas e intencionalidades teóricas, mas muitas vezes sem equacionar o lugar que a relação com a pessoa utilizadora do serviço pode ocupar nesta intervenção. 

…A relação profissional do assistente social com a pessoa utilizadora do serviço tem sido abordada desde o início do exercício da profissão de assistente social, de uma forma mais ou menos explícita, tal como afirma Hamilton (1941) quando define o Serviço Social como “a arte de ajudar as pessoas a se ajudarem a si mesmas, cooperando com elas a fim de beneficiá-las e, ao mesmo tempo, a sociedade em geral” (Vieira, 1985:71). 

A análise da relação profissional é orientada pelos pressupostos ontológicos, teóricos e metodológicos que a sustentam e que se passam a apresentar: 

a) A Dimensão Ontológica da Relação Profissional

Analisar a dimensão ontológica da relação entre o assistente social e a pessoa utilizadora do serviço engloba a compreensão da natureza da relação, a dinâmica dos elementos em presença no processo de construção da relação e os seus constrangimentos.
A intervenção do assistente social verifica-se em situações de grande vulnerabilidade em que as pessoas sentem como fundamental a confiança, ou seja, a possibilidade de poderem ser aceites, de receberem apoio e terem como interlocutor um profissional que lhes oferece uma relação de ajuda, o que constitui elemento fundamental na motivação da pessoa, que responde com uma perspetiva de colaboração e responsabilidade para com a sua situação. O profissional assume uma atitude de empatia, em que a compreensão da pessoa utilizadora do serviço tal como é sustenta uma relação baseada na verdade, sem criar falsas expectativas ou abarcar objetivos irrealistas. 
A relação constitui-se como um meio para o desenvolvimento da pessoa utilizadora do serviço e através das características dessa mesma relação será possível a pessoa tornar-se mais consciente da sua situação e assumir a responsabilidade do processo de intervenção. O assistente social acredita nas capacidades da pessoa utilizadora do serviço e comunica-lhe essa confiança, numa perspetiva de capacitação, em que a pessoa possa assumir as decisões sobre a sua vida (Robertis, 2003) Esta relação constitui-se como um processo em que o acolhimento do utilizador do serviço assume um papel fundamental, na medida em que possibilita clarificar os procedimentos implicando a pessoa num projeto de trabalho em comum. É importante que a pessoa utilizadora do serviço possa desconstruir ideias preconcebidas acerca do assistente social e do serviço onde ele está inserido. De fato a partir da atitude do assistente social a relação vai sendo construída com base no investimento de ambos, com implicações e resultados na intervenção que se começa a desenhar. Mas torna-se claro que a responsabilidade pela relação é sobretudo do profissional, pelo saber que possui acerca das diferentes abordagens e respostas sociais e pela posição de poder que ocupa na organização. 
Na relação profissional que o assistente social estabelece com o utilizador do serviço surgem elementos constitutivos dessa relação ligados ao profissional, ao utilizador do serviço e à organização, numa referência à abordagem de Payne (2002) que define que o Serviço Social é desenvolvido na dinâmica entre os utilizadores dos serviços, o profissional, a sua formação e a própria organização em que o assistente social está inserido. 

O assistente social constrói essa relação com base nos conhecimentos teóricos e práticos adquiridos na formação académica, mas também as características pessoais e as suas atitudes e comportamentos, a sua trajetória de vida pessoal e profissional que condiciona o modo como se relaciona com os utilizadores do serviço e justifica a necessidade de um conhecimento de si que objetive aquilo que por natureza é subjetivo. O facto de o assistente social ter de compreender e gerir os seus sentimentos assim como a preocupação pelos sentimentos das pessoas utilizadoras dos serviços justifica a necessidade de ser emocionalmente inteligente (Howe, 2008), ajudando o profissional a lidar com situações de grande tensão emocional, compreendendo a sua existência é mais fácil responder de forma adequada, aumentando a qualidade dessa mesma relação. 

Os assistentes sociais na construção da relação valorizam competências ao nível cognitivo, relacional e ético-político. Por um lado destacam a necessidade de conhecimentos teóricos, que operacionalizam na relação com o utilizador do serviço, com a equipa e com as outras entidades, mas igualmente competências relacionais onde se destaca a questão da comunicação. 

O assistente social tem de gerir questões, muitas vezes delicadas, em que há reações emocionais diversas e ressalta a necessidade de uma prática reflexiva, individualmente ou através de um trabalho em equipa. Nestes casos a supervisão ajudará a desenvolver uma relação mais apropriada aos objetivos do trabalho a desenvolver. A organização em que o profissional está inserido é igualmente um elemento constitutivo da relação, que condiciona, positiva ou negativamente a construção da relação. 

A forma como a organização está estruturada, a nível dos procedimentos e dos problemas aos quais dá resposta influencia o modo como o assistente social se pode relacionar com o utilizador do serviço. Os assistentes sociais salientam o grau de formalidade, a dificuldade de concretização da resposta por parte da organização, por razões económicas ou outras, mas também não deixam de salientar a capacidade, por parte do profissional, de encontrar estratégias alternativas, que permitam ultrapassar esses constrangimentos. 

E o assistente social pode e deve encontrar formas de ultrapassar essas limitações em benefício da pessoa utilizadora do serviço, no que a experiência profissional desempenha um papel importante, pois o facto de o assistente social ter já alguma experiência profissional aliado à sua inserção na organização permite estabelecer novas formas de intervir. Para além do assistente social e da organização há que assinalar ainda a pessoa utilizadora do serviço como um terceiro elemento que, através das suas características, da própria experiência com os profissionais e da natureza do problema que enfrentam vai influenciar a natureza da relação que será construída. 

A relação que se estabelece entre o assistente social e a pessoa utilizadora do serviço será sempre uma relação de natureza profissional, em que o ponto de partida são as necessidades da pessoa e as suas expectativas, escutadas pelo profissional e devolvidas à pessoa, permitindo a elaboração diagnóstica e a definição conjunta do trabalho a realizar. Ao risco de manipulação (Rhodes, 1986) os assistentes sociais respondem com reciprocidade, participação e responsabilidade partilhada em que a mudança não poderá ser apenas desejada pelo profissional, mas este, através do conhecimento que dispõe e da sua experiência profissional e pessoal, poje ajudar a pessoa utilizadora do serviço a clarificar a sua situação, refletir, tomando as decisões quanto ao caminho que quer seguir. 

b) A Dimensão teórica da Relação Profissional

Os assistentes sociais assumem a relação com as pessoas utilizadoras dos serviços como uma dimensão da prática profissional, um elemento facilitador da intervenção assim como potenciador da qualidade dessa mesma relação. A relação traduz-se na participação do indivíduo no projeto de intervenção aumentando por isso a eficácia da mesma. A relação vai configurando-se no processo da prática profissional do assistente social, assumindo contornos de acordo com as características do profissional, do utilizador do serviço, da organização em que a prática ocorre, do contexto que a envolve e dependendo também da fase do processo da intervenção. Os assistentes sociais entrevistados valorizam a relação como suporte da intervenção mas também como elo de ligação aos utilizadores dos serviços quando a intervenção sofre algum revés. Pode afirmar-se pelo discurso dos entrevistados que a construção da relação, que se inicia no acolhimento do utilizador do serviço é precursora da intervenção, acompanhando essa mesma intervenção e, em diferentes situações, é a relação que permite fazer a passagem entre ruturas e desequilíbrios dessa mesma intervenção. Num domínio operativo poder-se-á recorrer ao pensamento de Brammer (2003) para ilustrar o lugar da relação, definindo o processo de ajuda por uma fase de construção da relação e uma segunda fase de facilitação da ação. Na primeira são necessárias competências a nível de compreensão e suporte, e na segunda são valorizadas competências de decisão e ação. Para este autor a relação é o meio através do qual o profissional e a pessoa utilizadora do serviço expressam e realizam as suas necessidades, o que faz com que seja fundamental no processo de ajuda. 

A relação profissional que o assistente social estabelece com o utilizador do serviço é concebida como uma relação de ajuda na promoção da autonomia, capacitadora no sentido do empowerment. Se, na prática profissional, os assistentes sociais se tornam aliados das pessoas utilizadoras dos serviços e tentam com eles modificar as condições nefastas e as relações sociais inadequadas entre o contexto social e as populações, assumindo, muitas vezes, a sua defesa, o fim último da intervenção centra-se no exercício pleno da cidadania por parte dos sujeitos, como afirma Adams (2005) “Os assistentes sociais devem estabelecer uma relação com os utilizadores dos serviços para que a intervenção seja produtiva. A relação em Serviço Social é uma relação de ajuda, capacitadora ou de empowerment (2005:15), e nessa medida valorizam a escuta e a empatia do profissional, que lhes permite sentirem-se compreendidos e clarificarem a sua situação, não deixando de apontar a necessidade de uma ajuda prática, operacional em direção às suas necessidades e condições. A relação assenta numa postura colaborativa, na interação entre pessoas que participam simultaneamente num processo interpessoal, distinguindo-se de outras relações com a sua intencionalidade consciente, baseada no conhecimento para alcançar o objetivo (Pearlman, 1980:89). 

A perspetiva que está subjacente ao discurso dos entrevistados é de natureza humanista, em que há uma preocupação pela compreensão da subjetividade do outro, base do diagnóstico permanente e da escuta ativa. O objetivo da intervenção é ajudar as pessoas a atingir a sua autonomia, partindo da interpretação que cada um faz de si mesmo e valorizando essa interpretação e soluções propostas. A intervenção é centrada na pessoa e é através deste processo que o profissional consegue compreender a situação da pessoa utilizadora do serviço, numa intervenção em que se procuram as suas capacidades e potencialidades, para além da situação problema que apresenta. Há uma crença naquilo que são os recursos pessoais de cada um, internos ou externos e ainda aquilo que são as suas potencialidades, centrando-se a metodologia da intervenção no desenvolvimento dessas capacidades, que facilitarão que cada um obtenha o domínio sobre a sua própria vida. Os assistentes sociais conceptualizam a intervenção centrada na solução e nas forças, e não apenas no problema, descobrindo que os indivíduos na sua trajetória já produziram esforços que devem ser valorizados (Saleebey, 2009). 

Os assistentes sociais assumem igualmente o impacto do “eu” na relação, através da influência das suas experiências pessoais, a sua personalidade, o que leva á caracterização da relação entre os assistentes sociais, os utilizadores dos serviços e o contexto como reflexiva, na medida em que cada um afeta o outro (Payne, 2002), ideia que é reforçada por Robertis (2003) quando esta afirma que a construção de uma relação é facilitadora da intervenção e que a relação entre o profissional e a pessoa utilizadora do serviço é o meio mais potente de provocar a mudança, na medida em que “(…) é sempre uma situação interativa na qual as influências e transformações são recíprocas” (Robertis, 2003: 78). Relação Profissional: Utopia ou Realidade? 206 O enquadramento conceptual da relação está sustentado num processo com recurso à perspetiva das forças, definindo a linguagem como o meio através do qual se chega à mudança (Howe, 2009). 

c) Dimensão metodológica da relação profissional 


Os assistentes sociais referem sobretudo o atendimento como o procedimento através do qual se estabelece e aprofunda a relação com a pessoa utilizadora do serviço. É no decurso deste processo de intervenção que se faz o acolhimento da pessoa e se delineia o plano de intervenção que começa a ser co-construído, recorrendo a técnicas como a entrevista e a observação e a visita domiciliária. Importa referir aqui a visita domiciliária, como instrumento privilegiado de aproximação do assistente social com a pessoa utilizadora dos serviços. Ferreira (2011) refere no seu estudo a visita domiciliária como procedimento de trabalho a nível de diagnóstico e do acompanhamento social. Para este autor “a visita domiciliária é definida como uma entrevista efetuada no domicílio do utente que visa aprofundar a compreensão /diagnóstico e o estudo e a observação do ambiente familiar. É um instrumento de trabalho de recolha de informações, que permita uma análise da situação” (Ferreira, 2011:281) 

Desde o início da profissão que a visita domiciliária constitui um importante instrumento de apreensão da realidade social, embora inicialmente tivesse como objetivo o controle das famílias visitadas, numa perspetiva de controlo e normalização social, e em que as organizações religiosas e filantrópicas impunham padrões de higienização assim como morais. 

Hoje a visita domiciliária é um meio de aproximação do profissional e da instituição social com o utilizador do serviço, na medida em que permite avaliar as necessidades e potencialidades de uma forma mais próxima e enquadradas no meio em que a pessoa está inserida. A recolha de dados é partilhada com o utilizador do serviço e tem de ser contextualizada, para isso o assistente social tem de ter conhecimentos acerca do meio em que a pessoa está inserida assim como uma consciência da situação económica e política vigente que lhe permita uma interpretação de acordo com as reais necessidades e potencialidades da pessoa, fundamentando-a numa abordagem ecológica, em que as condições de vida de uma pessoa não podem ser isoladas das condições de vida da comunidade que, por sua vez, não estão separados do contexto social e histórico. 

A visita domiciliária é assim um espaço privilegiado de construção da relação, em que o assistente social se desloca à esfera privada da pessoa, numa perspetiva de diminuir a desigualdade de poder e aumentar a relação de confiança. A atitude do profissional deve ser sempre de respeito, não esquecendo que se está a entrar num espaço privado e a própria partilha da informação entre colegas, não deve revelar mais do que o essencial à compreensão da situação, sendo importante que o profissional informe com clareza o objetivo da visita, que seja acordado com o utilizador do serviço os motivos da sua realização e que a recolha de dados incida nos elementos que são importantes à análise da situação. 

A visita domiciliária também pode ser assumida como o local onde decorre a intervenção, e nesse sentido são definidos princípios orientadores da prestação dos serviços: 
  • A intervenção deve ser individualizada, tendo em conta a situação atual e uma das potencialidades da visita domiciliária é o facto de poder facilitar intervenções individualizadas para responder às necessidades de cada membro da família. 
  • A família é considerada como um sistema em que a mudança num individuo influencia todos os outros membros assim como o funcionamento global da família. 
  • A relação de ajuda deve ser conceptualizada como colaborativa entre o profissional e o utilizador do serviço, colocando a ênfase na importância da família trabalhar em cooperação e de uma forma ativa como os assistentes sociais. A família tem a responsabilidade de participar ativamente e o assistente social tem a responsabilidade de tornar a relação colaborativa possível. 
  • O assistente social deve ser flexível e responder de imediato às necessidades da família assim como aos seus objetivos a longo prazo. 
  • Os assistentes sociais devem ajudar as pessoas a identificar as necessidades assim como as opções de lhes responder, a partir das suas forças e da aprendizagem de novas habilidades. 
  • O assistente social deve estar atento a futuras necessidades da família e ajudá-los a considerarem novas habilidades e atitudes em situações futuras, pois o assistente social deve apoiar as famílias no seu processo de independência 
  • O assistente social deve avaliar as forças, as limitações e o progresso da família de uma forma contínua e utilizar o seu conhecimento para modificar as intervenções quando necessário. (Wasik e Bryant, 2001: 48-51). 
O assistente social constitui-se como um profissional cuja prática se exerce no domínio das relações interpessoais, se considerarmos para além da relação com a pessoa utilizadora do serviço, a relação que estabelece com outros profissionais, no domínio da interdisciplinaridade e da articulação entre instituições, numa construção de parcerias. De acordo com a complexidade dos problemas sociais com que o profissional e defrontado surge a necessidade de uma resposta que muitas vezes ultrapassa um campo profissional surge a interdisciplinaridade como proposta “(...) cuja visão de homem e de mundo volta-se para a globalidade, para a unidade do ser humano, para a interação, para a compreensão e modificação do mundo” (Sampaio et al, 2000:78). Nesta perspetiva reconhecem-se os limites e as especificidades, procurando uma unidade do saber que permita chegar à compreensão e à mudança desejada. O assistente social reconhece igualmente a necessidade de um trabalho em rede, com parcerias com outras instituições que permita responder de uma forma global e articulada, em que as sinergias de tempo e recursos beneficiam quer os profissionais como as pessoas utilizadoras dos serviços. O serviço social é uma disciplina das ciências sociais que partilha o seu saber com outras áreas de atividade sendo a intervenção do assistente social contextualizada pelos domínios económicos, políticos assim como as opções teóricas e metodológicas do profissional e a relação este estabelece com os indivíduos, grupos e comunidades é uma das possibilidades do profissional em considerar a pessoa como única e distinta de todas as outras, constituindo o elemento diferenciador em resposta aos procedimentos impostos pelas organizações e pelas políticas sociais implementadas. (...) Para alguns profissionais a relação é mesmo um dos “principais aspetos da especificidade do serviço social” (Amaro, 2012: 140) e assiste-se a um otimismo por parte dos profissionais, uma crença na relação que estabelecem e no seu desempenho profissional. Mas esta relação de ajuda rompe com os parâmetros assistencialistas, em que as pessoas utilizadoras dos serviços eram constituídas como beneficiários de uma intervenção. Neste quadro da prática profissional, em direção a uma cidadania, as pessoas utilizadoras dos serviços constituem-se como sujeitos da intervenção, atores no desenho do seu projeto de vida e este é um desafio que se coloca ao assistente social e à relação profissional que estabelece com a pessoa utilizadora do serviço, em que o vínculo é contratualizado numa relação profissional mas em que interagem duas pessoas, com personalidades, percursos de vida e formações e é desse encontro que nasce a relação que terá sempre um carácter único e irrepetível, tornando necessário que o profissional tenha consciência que o serviço social tem um enorme impacto na vida das pessoas e os profissionais têm de saber o que é a sua profissão e como agir (Beckett,2006)." 


PENA, Maria João Barroso - Relação profissional: utopia ou realidade? Lisboa: ISCTE-IUL, 2012. Tese de doutoramento. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/6348

O objeto do serviço social




Na atualidade a diversidade de objetos e especificidades apresenta-se como uma possibilidade teórico-prática para o Serviço Social num quadro de globalização e cidadania social. Um outro domínio importante no Serviço social são as estratégias profissionais (Faleiros, 2007:31) ”A articulação das mediações particulares, individuais ou coletivas, exigidas pelo trabalho quotidiano, com as exigências do contexto económico, político, imaginário, ideológico é que vai permitir a construção de estratégias no tempo social, familiar e especifico solicitado pelos utentes na relação com a intervenção profissional e institucional”. “A construção do objeto implica, assim, tanto a análise das questões mais gerais (economia, instituições, politicas) como dos micro poderes (lógicas dos actores sociais), (Martin e Royer, 1987 in Faleiros, 2007:33). Freynet (1995), defende para o Serviço Social um papel de mediador de conflitos, tendo por missão intervir sobre as tensões, os conflitos, as violências, entre grupos excluídos, a sociabilidade local e a sociedade instituída. O Serviço Social promove a comunicação entre sistemas, nomeadamente no que respeita a dificuldades de relação entre sistemas e promove a interligação entre sistemas e recursos, e sistemas e utilizadores. 

Utilizando uma terminologia muito identificada com Vicente Paula Faleiros, (1995) e de Alcina Martins (1999) designada construção/ desconstrução do objecto do Serviço Social, passamos a identificar de forma sintética cinco períodos de desenvolvimento do Serviço Social no domínio da construção do seu objeto de intervenção. 

1º período : 1940 – 1960 

Este período é identificado com a emergência do Serviço Social na Europa, e com o surgimento das primeiras Escolas de Serviço Social em Portugal. (Ferreira, 2008; Martins, 1999). 

Na sequência da revolução industrial e da teoria marxista (divisão sociotécnica do trabalho) iniciou-se um debate técnico-científico (mais centrado no campo profissional) sobre a intervenção do Assistente Social, reconhecendo que no quadro da complexidade dos problemas sociais esta não pode ser improvisada, mas sim baseada num conjunto de conhecimentos de diferentes disciplinas, que lhe permitam definir um quadro metodológico próprio no marco das Ciências Sociais e Humanas. M. Richmond (1922), considerava existir o mesmo espaço científico e profissional nas disciplinas que constituem as ciências sociais, restringindo a cada uma delas um campo particular de metodologia, de construção de objetos e objetivos. 

O Serviço Social assume nesta fase uma dimensão preventiva, embora identificada com a perspectiva assistencialista. 

2º período : 1960 - 1980 

Este período identifica-se com um período histórico que apresenta alterações na vida social e quotidiana, a permissão de admissão de Homens à formação em Serviço Social (1961) e marcado pelo modelo de desenvolvimento comunitário, principalmente em meio rural. Assim, o objeto de Serviço Social é identificado com o referencial da integração “meio – personalidade”, através dos valores dominantes nas relações sociais. Valores dominantes assumidos pelo Serviço Social no processo da integração e adaptação que procura articular a intervenção individual com a intervenção comunitária e grupal. É neste período que surgem no debate técnico-científico as dimensões sobre um método único de intervenção em Serviço Social denominado: diagnóstico/ tratamento / avaliação. Neste período a intervenção do Serviço Social é marcada pelos contributos da teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt e por uma dimensão Funcionalista, tendo por base uma perspetiva Desenvolvimentista. 

Nos anos 80, o Serviço Social define um novo eixo como profissão e como disciplina científica no marco das Ciências Sociais e Humanas, emergente no quadro da reconceituação. O processo de reconceituação do Serviço Social teve como objetivos produzir uma mudança no marco conceptual da profissão e produzir mudança no conteúdo ideológico da profissão. Implicou ainda uma mudança na intencionalidade da prática profissional do Assistente Social em busca de uma nova metodologia e reformulação da anterior. Este processo promoveu uma leitura histórico-critica á conceção funcionalista e de desviância social, criando assim uma rutura com a conceção assistencialista que sofre mudanças a nível teórico, ideológico e metodológico em termos de uma rutura com os dogmas, novas bases doutrinais e uma renovação da conceção de sujeito. (Martins, 1999; Garcia e Bracho, 2006). Este movimento surgiu das teorias de modernização e dependência – teorias que configuram uma corrente crítica. 

A teoria da modernização sustenta o movimento de desenvolvimento da sociedade suportado na corrente capitalista. Este movimento procurava apoiar o processo de desenvolvimento das sociedades subdesenvolvidas para desenvolvidas. Esta teoria integrava as variáveis – Sociais, económicas, mediação e desenvolvimento. Esta teoria sustentada no Capitalismo defende um papel do Estado relevante na sociedade, reclamando uma mudança de mentalidades. 

A teoria da dependência, contrapondo-se á teoria da modernização baseada no princípio histórico-metodológico, põe a ênfase na dimensão histórico estrutural da situação de subdesenvolvimento e procura demonstrar o surgimento desta situação assim como a sua reprodução à dimensão do desenvolvimento Capitalista. 

Neste período o objeto do Serviço Social ganha novo aprofundamento, Conceção do Homem numa dimensão bio-psico-social integral. O Serviço social pretende conhecer e abordar o Homem por meio das suas relações sociais, pela sua pertença á classe social, os papeis que o indivíduo tem na sociedade (aspetos parciais da dimensão humana integral da pessoa). Uma intervenção centrada na relação personalidade/ meio /recursos passa para uma relação centrada nas relações sociais de classe e de grupos. Assim, o objeto do Serviço Social, identifica-se com a preocupação com o desenvolvimento teórico do Serviço Social em simultâneo com a preocupação da sua dimensão crítica e política. Busca novos paradigmas da compreensão da sociedade, da sua estruturação e mudança. Boris Lima e Maria Angélica Gallardo (1974) Procuram vincular o Serviço Social a um processo de planeamento, diagnóstico, programação, execução e avaliação. 

O Serviço Social assume nesta fase uma dimensão estruturalista, identificada com a perspetiva intervencionista. 

3º período : 1980 

Nos anos 80, no pós reconceituação do Serviço Social, as correntes críticas ganham importância nas preposições e intervenções desenvolvidas pelo Serviço Social. Uma parte do Serviço Social crítico, veio a assumir uma identidade completa com os movimentos sociais (ex. Português criação das IPSS). Tendo como objeto não mudar o comportamento ou o meio, mas contribuir para a organização e mobilização social dos cidadãos, das instituições e das comunidades na luta contra o capitalismo. Ganham força, no domínio do Serviço Social as teorias da Escolha Racional ou também designadas de Teoria da Acção desenvolvidas por Pareto, Parsons (1937), Weber, Lindenberg (1992) e as teorias da Acção e da Praxis, de Hobbes, Locke, Kant, Weber (1921), Cohen (1981) Dewey, Mead (1934), Anthony Giddens (1984). 

Neste período o Serviço Social tem por base o paradigma das inter-relações. 

4º período : 1990 

Neste período o Serviço Social insere-se num novo contexto social e político, no quadro do espaço europeu e de maior internacionalização ao nível social, económico, do emprego e cultura. Assistimos ao surgimento de novas questões sociais emergentes num princípio social de multiculturalidade, nomeadamente: questões do género; etnicidade, desviância, minorias, orientação sexual e não discriminação. O objeto do Serviço Social centra-se nas relações de cooperação/ conflito do Estado com a Sociedade. Não só se alteram as relações Estado/Sociedade como as relações entre os próprios grupos da sociedade, surgindo as IPSSs e as ONGs enquanto instituições de promoção e defesa dos direitos humanos. Esta alteração de paradigma social obriga a um repensar da relação entre sociedade, cultura, economia e subjetividade, implicando uma construção de uma nova identidade individual e coletiva na defesa dos direitos humanos e na busca de autonomia e participação social. 

5º período : 2000 

Na atualidade o Serviço Social inscreve-se num contexto económico e politico de grandes mudanças marcado por um contexto neoliberal ao nível de política económica, associado a politicas de privatização e terciarização com profundas consequências na vida dos cidadãos, nas relações de trabalho e emprego e na gestão social da vida quotidiana. Presentemente ganha importância o paradigma do partenariado a dimensão das Redes no processo de intervenção social de forma geral e em particular do Serviço Social. Estamos perante um novo desafio sobre a construção do objeto de intervenção do Serviço Social, havendo necessidade de repensarmos o objeto de intervenção do Serviço Social, ao nível do: 
  • Emprego;
  • da responsabilidade social; 
  • da família; 
  • da comunidade; 
  • e das novas politicas sociais. 
FERREIRA, Jorge Manuel Leitão - Serviço Social e modelos de bem-estar para a infância: modus operandi do assistente social na promoção da protecção à criança e à família [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2009. Tese de doutoramento. Disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/3590>. ISBN 978-989-732-144-3.