Família
Fatma's Social
"A era industrial transportou consigo uma crise na família patriarcal com a mobilidade massiva para os centros urbanos criando uma nova conceção de casal e da própria vida familiar. A sociedade pós-moderna caracteriza-se por modificações nos modelos familiares vigentes, em matéria da natureza dos vínculos matrimoniais e em consequência pelo divórcio e pela reconstrução familiar. Assume um modelo mais de consumos e menos de produção, o que produz dificuldades no modelo de família nuclear (produtivo) em prol do modelo de família reconstituída (consumista). Atualmente é fácil encontrar as famílias ao fim-de-semana mais nas superfícies comerciais do que em parques ou espaços verdes.
É também na era da
pós-modernidade que surgem as famílias multiproblemáticas, muito expostas pelos
problemas da toxicodependência, violência doméstica e problemas de saúde
mental. Estes tipos de famílias identificam-se com elevados níveis de consumo
no que respeita aos serviços sociais. São famílias que muitas vezes começam por
falar do seu problema ao médico de família, a seguir ao assistente social da
unidade de saúde, deste passe para o Serviço Social da Segurança Social, deste
para a CPCJ, deste ao serviço do Ministério Público, passando por um conjunto
de serviços sociais da comunidade local, nomeadamente instituições de
solidariedade social que não são aqui referidos.
A família na
contemporaneidade, tem-se apresentado permeável às mudanças da sociedade e
modos de vida, como refere, Sofia Aboim (2005), “ (…). Maioritária do casamento
religioso, a um ritmo conjugal, têm vindo a aumentar, a um ritmo progressivo e
marcado, os casamentos civis e a coabitação como experiência prévia ao
casamento, tendências (…), sinalizadoras de processos de modernização de uma
vida familiar que se foi tornando cada vez mais privada e mais adaptada às
exigências dos ritmos individuais (in, Karin Wall, 2005:85) ”. Neste contexto é
importante segundo Karin Wall, distinguir a família constituída por laços de
consanguinidade e de aliança, o grupo doméstico definido pela co-residência e
pela partilha de um espaço de vida e a rede social primária definida pelas
relações de apoio e pelos contactos de proximidade (Karin Wall, 2005).
A família é uma
dimensão importante no estudo e análise no problema da criança / jovem, tendo
em conta a sua formação, estrutura, condições de vida, necessidades, relações
entre e inter-familiares, fatores culturais, bem como os vínculos relacionais e
os afetos estabelecidos. Não basta retirar a criança, institucionalizá-la ou
atribuir o rendimento social de inserção à família.
O relatório da
subcomissão parlamentar para a Igualdade de Oportunidades sobre a avaliação dos
sistemas de acolhimento, de proteção e tutelares de crianças e jovens (2006),
conclui existir em Portugal uma: excessiva institucionalização de crianças;
falta de formação especializada e de meios dos profissionais e ausência de
políticas de apoio às famílias. Questões que no domínio do Serviço Social nos
devem questionar sobre o que pretendemos no futuro em matéria das novas
famílias, se o percurso destas crianças é passarem de instituição para
instituição. As políticas de família constitui na atualidade uma das questões
mais pertinentes no debate social contemporâneo. Não basta políticas de
“manutenção” de pobreza das famílias (ou sejam políticas protetoras), são
necessárias políticas que reforcem as competências das famílias e as valorizem
como pessoas e cidadãos comuns de qualquer sociedade.
A diversidade de
famílias e formas de agregados familiares tornou-se um traço comum na sociedade
atual. Mas não foi apenas a família e a composição do agregado familiar que
sofreram alterações, estas verificam-se também na mudança nas expectativas criadas
pelas pessoas nas suas relações com os outros (ex: o acesso fácil a bens de
luxo e por consequência a novos endividamentos). Assiste-se hoje, segundo
Kellerhals “ao primado do indivíduo sobre a família, primado do eu sobre o nós,
o qual significa que é em função do bem-estar de cada um dos conjugues que se
definem regras e formas de regulação nas interações conjugais (Torres,
2001:126) ”. Todas estas transformações alteram o ciclo de vida familiar, o que
nos leva a refletir sobre os impactos da globalização na organização familiar.
Atualmente
assistimos à evolução do individualismo dos sujeitos (chamados de cidadãos), o
que dificulta o espírito coletivo, de grupo e de família. Hoje a família já não
é vista como fonte de rendimentos, não é o casamento que determina a
constituição de uma família, a desigualdade entre os sexos.
Segundo a diretiva
das Nações Unidas (ONU: 1993) as funções da família são:
- Económica, Social e Emocional, é uma função reforçada pelo casamento, que estabelece os papéis dos indivíduos enquanto casal e atribui-lhes a responsabilidade de assegurarem os seus laços emocionais, sociais e económicos, entre eles e os restantes membros da família, de modo a estabelecer um bom relacionamento familiar;
- Biológica, a função de assegurar a reprodução da família através da procriação;
- Aquisição de Direitos e Deveres baseia-se no registo de nascimento dos filhos, atribuição à Criança de um nome de família e uma nacionalidade, concedendo-lhe assim o direito à cidadania e ao apoio financeiro por parte dos pais;
- Garantia das necessidades básicas, família como suporte social e económico dos membros não autónomos;
- Educativa e de socialização, consiste na transmissão de valores sociais e culturais, bem como de saberes e conhecimentos indispensáveis para o desenvolvimento e para a vida em sociedade;
- Função de proteção, psicológica, física, sexual e social face à violência no contexto intra e extra-familiar.
Práticas de intervenção do Serviço Social com crianças e famílias
Fatma's Social
" As atividades mais referenciadas pelos assistentes sociais referem-se a “contactos necessários ao acompanhamento da situação. Visitas domiciliárias, atendimentos e/ou entrevistas de ajuda, reuniões de equipa etc. Acompanhamento personalizado, mediação entre a família e a comunidade. Articulação com entidades/serviços através de reuniões com parceiros da comunidade e intervenção em rede”.
A metodologia utilizada pelo assistente social na prática de promoção e proteção da criança, caracteriza-se de “investigação-ação, observação direta, trabalho de campo, colaboração com outras entidades e reciclagem de informação. Elaboração de informações sociais para tribunal, outras instituições, intervenção no domicílio da criança e da família”. Utilizam também metodologias que definem de “metodologias formais e informais, por ex: «contacto telefónico, convocatória, carta registada, depende da situação e da relação estabelecida» ”.
Os assistentes sociais inquiridos, referem que organizam e fundamentam a prática profissional num conjunto de competências técnicas que designam de: saber fazer; saberes associados; saber ser e estar e utilização de recursos sociais. Definem como saber fazer, “ter conhecimento da legislação que rege o nosso trabalho na comissão de proteção de crianças e jovens, nomeadamente a lei 147/99 de 1 de Setembro a Convenção dos Direitos da Criança, e outra”.
Para os assistentes sociais, o saber fazer “enquadra-se numa reflexão com base em referenciais teóricos para a prática profissional e em modelos e teorias subjacentes”.
Consideram também como fundamento a relação entre teoria e prática, afirmando: “Teoria casa-se muito bem com a prática. A prática obriga o profissional a ter discernimento e ter estratégia na intervenção. Embora o saber teórico é muito importante. Um técnico no trabalho desta área deve ter discernimento. Porque os problemas são muitos e as respostas são poucas. Desenvolver uma prática assertiva, adquirida pela experiencia pessoal e profissional”. Manifestam também a importância do princípio da interdisciplinaridade no exercício profissional”. No domínio da criança e da família identificam como saber fazer:” ouvir a criança. Ter em conta as dinâmicas familiares. Elaborar um plano de intervenção futura”.
Como saberes associados, consideram importante a “informática, a sociologia, medicina, de forma a promoverem uma intervenção mais interdisciplinar e uma abordagem sistémica e ecológica”.
Os assistentes sociais identificam a competência técnica de saber ser e estar com tipos de abordagem e níveis de intervenção técnica, nomeadamente: “assertividade, mediação, compreensão, respeitar pelo outro, autodeterminação, saber ouvir e escutar”. Na intervenção com a criança e a família, consideram aplicar o saber ser e estar quando garantem a “individualidade da família; o respeito pelas crenças, pelos valores, e não fazem juízos de valor”.
No âmbito das competências técnicas os assistentes sociais consideram fundamental o saber gerir e utilizar recursos quer, sejam: humanos, financeiros, sociais e tecnológicos (computador) ”, com o objetivo de garantir maior eficácia à intervenção social desenvolvida na “rede informal e formal de apoio/rede social/rede comunitária e institucional”. Segundo os Assistentes Sociais inquiridos na sua intervenção técnica usam como técnicas, “a entrevista, a pesquisa, a observação direta, participante e não participante, trabalho de campo (visitas domiciliárias), e questionários (em alguns casos é importante elaborarmos um conjunto de perguntas, para complemento do diagnóstico da situação), e a investigação-ação”. Procuram desenvolver uma metodologia que para além de “informar, incentive e capacite os pais para a mudança/alteração do problema”.
Os inquiridos responderam na totalidade utilizar na sua intervenção o “genograma e o ecomapa”, reconhecendo-os com facilitadores de identificação dos fatores de risco e de proteção na criança e na família. Concluímos que os assistentes sociais utilizam as mesmas técnicas na intervenção com a família biológica e a família de acolhimento.
Os assistentes sociais elaboram o diagnóstico sobre a família (biológica e de acolhimento) através de “contactos pessoais e/ou telefónicos, pedidos de informação e de relatórios escritos aos serviços implementados na comunidade local e à família alargada, e ainda à rede de vizinhança, nomeadamente junto de informadores qualificados que fazem parte do quotidiano da criança, tais como agentes educativos, médicos de família”.
Referem também que alguns “processos vindos de outras CPCJ'S já trazem o diagnóstico da situação feito”.
Processo de intervenção com a família
Na intervenção com famílias “o assistente social muitas vezes assume também o papel de educador e de psicólogo no desempenho dessas mesmas funções”. Procura “intervir sempre de maneira a proteger a criança, removendo o perigo, bem como, promovendo o seu bem-estar. No entanto, é necessário o A.S. observar, escutar, visitar, e obter muita informação acerca da família”.
Os assistentes sociais, participantes no estudo “não deverão ter, nesta área, uma postura assistencialista, mas sim proactiva, no sentido da autonomização das famílias”.
Através da investigação realizada, podemos sistematizar da seguinte forma o processo de intervenção do Assistente Social na família biológica e na família de acolhimento:
O assistente social na sua prática profissional identifica ainda diferentes atribuições, ou sejam:
- Determinar o problema social (perceber quem o solicita, o porquê e a quem se refere);
- A análise da situação, (recolha de informação sobre a situação e/ou cliente, levantamento dos recursos institucionais e de serviços de suporte à situação/cliente);
- Avaliação preliminar e operacional da situação (o que permite elaborar hipótese de trabalho);
- Desenvolvimento da ação (definição do nível da intervenção – individual, familiar, institucional, comunitária);
- Avaliação dos resultados (verificar as mudanças produzidas na situação e por vezes reajustar os objetivos iniciais). (Robertis, Restrepo, Ferreira e outros).
No contexto da proteção da criança e da família o assistente social utiliza em diferentes fases da intervenção a visita domiciliária. A intervenção domiciliária constitui-se na atualidade como um procedimento estabelecido entre beneficiário e profissional. Este tipo de intervenção mobiliza diferentes tipos de organismos (parcerias), implica diferentes agentes (técnicos, famílias, vizinhos e outros) e em simultâneo os equipamentos sociais comunitários de proximidade (intervenção em rede). Este tipo de intervenção exige um processo de negociação com a pessoa e a família (intromissão em espaço alheio) que está na condição de beneficiário e ou que precisa de ajuda.
Segundo Djaoni (2008), a intervenção no domicílio deve respeitar um conjunto de princípios, ou sejam: valorizar a auto imagem da pessoa e ou família visitada; guardar um mínimo de privacidade e respeito pelo espaço da pessoa, mesmo que requeira reorganização; e preservar a rede de solidariedade e de sociabilidade no quadro de proximidade”. Realçamos neste domínio os estudos de Bressé (2004) através e um inquérito realizado junto de três tipos de beneficiários dos serviços sociais.
Embora não seja diretamente referenciado pelos assistentes sociais inquiridos na pesquisa, na sua intervenção utilizam o aconselhamento social como procedimento metodológico.
A intervenção da assistente social baseada no aconselhamento social fundamenta-se nos princípios da compreensão, e da capacidade de compreender total ou parcialmente os comportamentos humanos na sua dimensão singular e plural, sendo por vezes próximo do que também designamos de diagnóstico social. Outro princípio baseia-se na mudança social do sujeito por via da intervenção do Assistente Social. A mudança surge quando o sujeito desenvolve novas perceções ou ganha novas competências sobre si próprio e sobre o meio social em que se insere. “O profissional no aconselhamento social ajuda a pessoa a utilizar um processo de pensamento racional nas situações problema e de conflito” (Paterson e Eisemberg: 2003).
Plano de intervenção com a família
Na intervenção do assistente social no sistema de proteção à criança é necessário desenvolver um conjunto de estratégias profissionais e técnicas que promovam e imprimam uma maior assertividade e sucesso na ação. “No agir dos assistentes sociais tem predominado a atenção aos domínios objetivos das políticas sociais e institucionais, suas lógicas e normas programáticas.” (…), “Neste tipo de prática o assistente social tende a desligar-se do referencial teórico-metodológico e ético-político do Serviço Social (…) e também não se vincula aos projetos dos destinatários das suas ações.” (Andrade:2001:8).
O estudo revela que o plano de intervenção com a família (biológica e de acolhimento), “é elaborado com a família após ter sido discutido e aprovado em reunião da Comissão restrita, composta por cinco ou sete membros”. Em algumas situações o plano de intervenção é inicialmente discutido “numa reunião com a família e se houver necessidade com os parceiros sociais e comunitários”. O plano de intervenção é “elaborado pelo técnico responsável pelo estudo preliminar da situação sinalizada à CPCJ, sob a forma de proposta, em conjunto com a família e posteriormente analisado em reunião da comissão restrita para aprovação ou reformulação”. Só depois de aprovado pela comissão restrita transita para um Acordo de Promoção e Protecção (APP) e passa à fase de execução.
O estudo conclui que o assistente social estabelece um plano de intervenção tanto com a família biológico como com a família de acolhimento, como verificamos pelo quadro seguinte:
Na execução do plano de intervenção com a família os serviços mais colaborantes, de acordo com os dados da investigação são: “as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o centro de apoio ao desenvolvimento infantil e juvenil, as escolas, as equipas de intervenção precoce, jardins-de-infância, centros de saúde, as forças policiais (GNR e PSP), centro comunitário e os serviços da Segurança Social”.
Alguns profissionais, registam dificuldades na colaboração das instituições de primeira linha nos planos de intervenção com a criança e a família. “Infelizmente as instituições do concelho (…) encontram-se muito fechadas sobre si próprias e tem sido difícil de trabalhar com algumas delas”.
Ações /atividades que o Assistente Social desenvolve com a família
Na intervenção com a família (biológica e de acolhimento), o Assistente Social desenvolve um conjunto de ações e atividades que caracterizam a sua prática profissional. Segundo as respostas obtidas ao questionário «on line» aplicado aos Assistentes Sociais das Comissões de Protecção, obtivemos a seguinte informação:
- “Contactos e encaminhamento para formação/ emprego, equipamentos de infância, encaminhamento/articulação com outros serviços (Câmara municipal, EDP, serviços de saúde, etc.) ”.
- “Atendimento, acompanhamento e encaminhamento e envolvimento das famílias, tentando com elas encontrar uma solução para o problema”.
- “Apoio psicossocial e escuta activa da situação problema apresentada. Apoio no sentido da consciencialização dos problemas e das potencialidades da família para os resolver, promovendo a autonomização”.
- “Identificação das potencialidades e constrangimentos na família e no contexto social da criança”.
- “Acompanhamento individualizado, visitas domiciliárias, contactos telefónicos com a família e com as entidades intervenientes, reuniões com instituições, etc.”.
- “O assistente social supervisiona, informa e encaminha a família na aquisição de bens e serviços, e colabora com a mesma na integração das crianças ao nível social, familiar e educativo”.
- “Assegura o bem-estar físico e psíquico da criança em articulação com os serviços da comunidade e promove a definição/organização do projecto de vida da criança”.
Alguns assistentes sociais referem que o “assistente social numa CPCJ no fundo tem um papel igual a qualquer outro técnico que integra a Comissão. No entanto, o A.S. tem a particularidade de incentivar e capacitar o outro à mudança do problema”.
Os assistentes sociais, reconhecem que utilizam um conjunto de instrumentos técnicos na intervenção com a criança e com a família. “As metodologias e instrumentos técnicos do Serviço Social adequam-se totalmente ao trabalho com a família biológica, são importantes no desempenho das funções dos técnicos”.
Na prática profissional, utilizam “o modelo ecológico, que se adequa ao tipo de intervenção que é solicitado ao Assistente Social. Os profissionais manifestam que “as metodologias e instrumentos são insuficientes ou não se conhecem facilmente. Dificuldade em obter informação sobre os instrumentos técnicos. Instrumentos de diagnóstico de acompanhamento e de avaliação”.
Avaliação das mudanças verificadas na família intervencionada
O agir profissional o assistente social, segundo os dados da pesquisa, reflete uma preocupação em avaliar as mudanças verificadas na família (biológica e de acolhimento) no pós intervenção “ful ups”. Embora alguns profissionais afirmem não desenvolver nenhuma avaliação “não é utilizada nenhuma matriz de avaliação”, uma grande parte refere que “ são efetuadas visitas domiciliárias, e solicitamos informações escolares, clínicas, etc.”. “Vamos contactando as entidades intervenientes no processo com regularidade, para apurar se o acordo está a ser cumprido e tentamos sempre motivar a família para a mudança”.
Pelos dados disponíveis podemos inferir que nesta avaliação o profissional procura “avaliar as necessidades da criança, competências parentais, recursos comunitários fatores de risco/fatores de proteção”. Esta avaliação permite nalgumas intervenções proceder à “revisão do acordo com a família e com os parceiros e reformular os objetivos a atingir”.
Os assistentes sociais avaliam de positivo o plano de intervenção na família biológica e na família de acolhimento. Na família biológica identificam como mudanças verificadas na família após a intervenção do Serviço Social, “ maior responsabilidade parental, por parte dos progenitores, o que se reflete no acompanhamento “geral” do quotidiano dos menores”. Manifesta-se também no funcionamento destas famílias uma “maior preocupação de integração dos descendentes em equipamento de infância, frequência escolar e/ou programas alternativos ao sistema escolar e, frequência regular de consultas das várias especialidades”.
- “Muitas famílias cumprem o acordo de promoção e proteção (APP), por ex., levam os filhos às consultas médicas e de psicologia, passam a preparar-lhes o lanche para levarem para a escola, tornam-se mais cuidadosas com a higiene da habitação e dos filhos, ficam mais atentas ao percurso escolar dos filhos e à forma como ocupam os seus tempos livres”.
Por outro lado as respostas sociais e comunitárias dadas às famílias (integração em valência de creche, jardim-de-infância e ATL), permitiram aos pais integrarem-se laboralmente, ou alargarem o seu horário de trabalho; o encaminhamento para a Segurança Social e atribuição de apoio monetário permite-lhes pagar a renda em atraso”.
Concluem os assistentes sociais que em algumas situações “o facto de sermos a ‘Comissão de Menores’, facilita a integração destas famílias em determinadas instituições, bem como a tomada de consciência dos problemas das crianças pelos pais e pela família alargada”.
O assistente social na sua prática operativa e através de um exercício de reflexão sistemática procura introduzir inovação na prática profissional e adequar a resposta às necessidades da criança e da família. “Estarmos sempre atentos ao percurso das famílias e respetivos menores, de modo a agir atempadamente, antecipando-nos à ocorrência de situações de perigo”. “Atualização e aperfeiçoamento de conhecimento na área da infância e juventude, com o objetivo de incrementar projetos de cariz comunitário, como forma de resposta local de forma a encontrar recursos alternativos. A inovação vai sempre ao encontro daquilo que se pretende modificar para o bem-estar da criança. Contudo, temos sempre um espírito aberto ao novo e muita criatividade”.
Os assistentes sociais manifestaram como preocupação a necessidade de “informar sempre os utentes dos seus direitos e deveres” (estou sempre a pesquisar ‘sites’ de instituições de cariz social). Procuram estabelecer uma boa relação com a família, porque por mais desorganizada que seja, ela entende quando a estão a escutar ativamente ou não. No fundo tento sempre fazer aquilo que o professor Jorge Ferreira me ensinou um dia, ter um posicionamento de ator social”. Um dos inquiridos manifestou que “o modelo de funcionamento no qual se encontra inserida, não é possível a introdução de novas práticas, que não as existentes”.
FERREIRA, Jorge Manuel Leitão - Serviço Social e modelos de bem-estar para a infância: modus operandi do assistente social na promoção da protecção à criança e à família. Lisboa: ISCTE-IUL, 2009. Tese de doutoramento. Disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/3590>. ISBN 978-989-732-144-3.
Serviço Social e modelos de bem-estar para a infância: modus operandi do assistente social na promoção da protecção à criança e à família
Fatma's Social
"O Serviço Social tem os seus fundamentos científicos no quadro das Ciências Sociais e Humanas, e os seus fundamentos Éticos nas questões dos direitos humanos, da dignidade humana, da justiça social e da autodeterminação do sujeito como pessoa/cidadão.
A partir dos anos oitenta com a adesão de Portugal á Comunidade Económica Europeia (actualmente União Europeia), a construção do conhecimento em Serviço Social ganhou novos desafios no quadro da mundialização e globalização da sociedade e do saber. “(…), Ao abrir o campo de pesquisa, o serviço social, enquanto área disciplinar desenvolve uma atitude analítica de produção e construção do conhecimento” (Negreiros ,1999:38).
O serviço social português foi também influenciado pelos principios da Estratégia de Lisboa (2000) e pela Carta Social Europeia. Adoptanto como pressupostos para o seu desenvolvimento e aprofundamento teórico, os objectivos do conhecimento e competitividade (empreendedorismo e «empowerment»), da coesão social (justiça social e igualdade de género e de oportunidades) e da economia sustentável baseada no desenvolvimento social e humano (partenariado e interdisciplinaridade).
Na actualidade a União Europeia nas suas diferentes instituições reconhece no serviço social uma acção privilegiada para a coesão social, requerendo no domínio científico da formação e da investigação o aprofundamento das dimensões axiológicas. No âmbito do modus operandi do assistente social exige-se, uma intervenção profissional sustentada em procedimentos teóricos e metodológicos (conhecimento/saber) e em princípios ético-deontológicos, reconhecendo o sujeito como parceiro na acção (sujeito/cidadão).
Os modelos de bem-estar social ao nível europeu, com particular ênfase no caso português, possibilitam ao assistente social um melhor enquadramento das suas atribuições e uma melhor percepção do contexto social e institucional (nacional, europeu e internacional) em que exerce a sua prática profissional. O debate sobre os regimes de estado-providência nos diferentes países da Europa (Esping-Andersen, 1996 e1999; Mozzicafredo, 1995 e 2001;Pereirinha,1997; Andrade, 2001 e outros), bem como sobre o modelo social europeu (Peneda, 2008; Pereirinha, 2008; outros) possibilita a compreensão da intervenção social no contexto do espaço europeu e contribui para a melhoria das políticas públicas bem como da formação dos recursos humanos, traduzindo-se, consequentemente, na qualidade da intervenção profissional no problema da criança e da família.
O modus operandi do assistente social fundamenta-se num saber teórico que influencia e é influenciado pelas políticas sociais e pela legislação social que legitimam a gestão das respostas de bem-estar social às necessidades do cidadão e de satisfação dos direitos sociais. Por outro lado facilitam a intervenção nos problemas sociais garantindo maior justiça social através da participação e autonomia do sujeito em sociedade, promovendo uma cidadania social plena. (Andrade, 2001; Serafim, 2001; Restrepo, 2003; Pereirinha, 2008).
O serviço social é presentemente uma área do saber reconhecida como privilegiada no âmbito da intervenção interdisciplinar no domínio da criança e da família em risco, mau trato e ou em situação de desprotecção. “O agir é constituído no trânsito entre o pensar e o fazer. Esse movimento do pensar para o fazer, esse processo de comunicação, essa passagem da ideação para a acção, essa objectivação da subjectivização, é mediação”. (Andrade; 2001:63). O serviço social fundamenta-se em referenciais teórico-metodológicos das ciências sociais e humanas, reconfigurados a partir de acções racionais sobre o quotidiano dos cidadãos integrados na sociedade.
Actualmente o assistente social manifesta uma capacidade crítica e um pensamento reflexivo com impactes na responsabilidade social das organizações e na resposta profissional competente e de qualidade aos desafios da sociedade contemporânea marcada pela globalização social. Acrescente-se que a crise dos modelos explicativos da realidade e dos problemas sociais, questionam as matrizes teóricas subjacentes à intervenção social. Por outro vive-se uma maior exigência ao nível da gestão e da eficácia dos serviços sociais (Manegement e Accoutability, Banks:2005). A prática do assistente social tem de assumir, um maior conhecimento teórico, tornando-se produtora de elementos essenciais à qualificação e requalificação dos quadros metodológicos em Serviço Social. As dimensões axiológicas do Serviço Social têm inflexão nas práticas operativas dos profissionais, dotando-os de maior capacidade crítica face às suas práticas e intervenções, com vista à inovação da resposta social em benefício do cidadão. A metodologia do Serviço Social assume-se como um processo reflexivo resultante do agir profissional e dos testemunhos dos sujeitos/clientes, tornando-se facilitadora da construção de conhecimento face aos objectos de acção do Serviço Social.
Nas práticas dos assistentes sociais encontramos um método sistemático e estruturado em elementos do processo de intervenção, ou seja: estudo, diagnóstico, planeamento, execução, avaliação e sistematização e/ou investigação. (Restrepo, 2003; Robertis, 2003 e 2007; e outros). Os procedimentos teóricos e metodológicos devem ser entendidos como suporte técnico do assistente social e, como recurso operativo e de análise e intervenção na realidade social, “(…), significa métodos específicos de intervenção e as técnicas ou as ferramentas através das quais se implementam as acções que visam responder às necessidades e problemas sociais (Restrepo, 2003).
Neste quadro de reflexão, o serviço social tem desenvolvido e aprofundado a matriz do conhecimento científico no domínio dos Direitos Humanos e Sociais, centrando a sua intervenção nos sujeitos, através do desenvolvimento de competências e habilidades sociais com vista à promoção da cidadania social plena. Desenvolve uma intervenção individual e colectiva, através da aplicação de teorias e metodologias específicas que lhe permite a organização e planificação de actividades de desenvolvimento social e humano, respeitando a multiculturalidade e a interdisciplinaridade.
O serviço social, através do agir profissional do assistente social cria, reforça e fortalece relações de sociabilidade e vínculos sociais ao nível da interrelação do sujeito, da família e do grupo social e respectivos contextos. Promovendo uma acção centrada na comunidade, através da aplicação de modelos de desenvolvimento social e local, valoriza a construção de parcerias/redes, no âmbito das relações sociais, da cooperação e participação integrada (individual e colectiva) dos recursos sociais e comunitários, numa relação estreita com o modelo de intervenção em rede.
Como refere Negreiros (1999), “os assistentes sociais, estruturam a prática profissional em três níveis:
-“ a nível cognitivo; promovendo a informação, fomentando a compreensão do funcionamento da estrutura social e das formas de utilização dos seus recursos;
- a nível relacional; facilitando o desenvolvimento das relações interpessoais e grupais, capacitando para o assumir de novos papeis e estimulando formas de comunicação e expressão;
- a nível relacional; facilitando o desenvolvimento das relações interpessoais e grupais, capacitando para o assumir de novos papeis e estimulando formas de comunicação e expressão;
- a nível organizativo; promovendo a interacção entre cidadãos, organizações e estruturas societais, accionando ou criando novos recursos sociais , e desenvolvendo a participação e capacidade organizativa dos individuos e grupos.” (Negreiros ,1999:17)”.
Os assistentes sociais inquiridos no estudo realizado utilizam um referencial teórico e metodologógico identificado essencialmente com o modelo ecológico e sistémico na medida em que referem também os modelos de rede, empowerment, intervenção na crise e a teoria da vinculação. O enfoque ecológico – sistémico, faculta ao assistente social observar, analisar e estudar o problema ou situação social como um sistema aberto a um conjunto de influências e de factores condicionantes (internos e externos) contrariando a perspectiva de classificar o problema de “nivel um ou nivel dois”. Por exemplo ao nivel da intervenção na familia, não está preocupado em classificar a familia de risco, multiproblemática, vulnerável ou negligente. Neste enfoque o profissional centra a sua atenção nas dificuldades e nas oportunidades de adaptação e interacção social (na familia) como um sistema aberto. Segundo Rodrigo e outros (2008), “este enfoque é fruto da confluência do enfoque sistémico (Andolfi, 1984; Broderick, 1993; Minuchin, 1985; Von Bertalanffy, 1968), e do enfoque ecológico sobre o desenvolvimento humano de (Belsky, 1980; Bronfenbrenner, 1979; Garbarino, 1977; Lewin, 1951).
Os assistentes sociais inquiridos, revelaram ter conhecimento e formação a nível conceptual, nos domínios da criança e da família, identificando através do exercício da prática profissional diferentes estudos, (Karin Wall, 2005; Ana N. Almeida, 1998; Fausto Amaro, 1992; Calheiros, 2006; Liliana Sousa, 2005; Veja, 1997; Giddens, 2004; Hespanha, 1993) e expressaram uma adequabilidade da abordagem técnica ao problema em estudo bem como um conhecimento aprofundado da norma jurídica e legislação em vigor.
O modus operandi do assistente social é sustentado por elementos teórico que lhe permitem ter uma visão global e multidimensional dos problemas e das necessidades do cidadão e da família. Segundo os dados recolhidos no estudo o assistente social suporta a intervenção com a criança e a família no modelo sistémico-ecológico, interpretativo da realidade que proporciona instrumentos de análise, de compreensão e de intervenção, em situações problemáticas. O enfoque é centrado numa concepção do indivíduo, do grupo e da comunidade, que incluem as diferentes construções, segundo uma concepção bio-psico-social. Neste enfoque, importa também destacar a dimensão cultural como promotora da mudança no sujeito, o que recentemente tem ganho importância na aplicação a situações de famílias problemáticas, decorrendo da imigração. A imigração aumenta a dissonância cultural bem como as questões socioeconómicas geradoras de culturas de pobreza e ou exclusão social.
A intervenção do assistente social com a criança e a família nesta matriz teóricometodológica reconhece à criança e à família a capacidade para modificarem as suas estruturas, quando produzem mudanças em si mesmo, ajudando o profissional a usar estratégias facilitadoras de mudança nestas famílias. O assistente social necessita de aprender a valorizar e reconhecer os processos de mudança mínima, atribuindo à família capacidades e competências para aprender e ou reaprender a melhorar a sua qualidade de vida. (Ausloos, 1996).
A presente investigação não nos permite identificar se as mudanças operadas na família, são ao nível das normas e valores, se estão dependentes das políticas sociais, de subsídios, da medida do Rendimento Social de Inserção, ou se são ao nível da emergência de uma nova cultura e novos hábitos na família. No entanto podemos referir que ao nível do diagnóstico sobre a família, presidem duas ordens de factores: factores de ordem familiar e pessoal (a insuficiência de capacidades e competências parentais) e factores de ordem social e económica (o contexto de precariedade social, desemprego e endividamento familiar).
Os dados da investigação demonstram que o assistente social numa intervenção com a família tem como procedimentos metodológicos específicos:
- Percepção e configuração da situação familiar;
- Procura de suportes sociais e comunitários;
- Definição de estratégias de acção e concertação social/familiar;
- Reconstrução de trajectórias e fortalecimento do projecto de vida da criança/família; - Gestão do processo de mudança familiar.
- Ajuda o sujeito e a família a desenvolver capacidades e competências, desencadeando fluxos de relação entre a família e as instituições.
O assistente social no plano de intervenção utiliza suportes teóricos procurando situar a relação dos sujeitos e a situação vivida atendendo a:
- História de vida familiar;
- Percepção dos ciclos de vida e as fases familiares;
- Tomada de consciência da família sobre as dificuldades vividas em cada momento de crise;
- Relação de Ajuda à família de forma a saber funcionar com a norma jurídica e com as instituições.
No âmbito das políticas sociais e das respostas sociais à criança e à família, os assistentes sociais orientam a sua intervenção no sentido da Coesão Social, investindo no compromisso com as pessoas, no combate à exclusão social e na integração plena dos cidadãos na Sociedade. Procuram assim colocar a ciência, a educação, a cultura e a economia ao serviço da inclusão social.
Através do trabalho empírico concluímos que as respostas sociais operativas no sistema de protecção à criança e à família são maioritariamente do tipo de “subsídios e benefícios fiscais”, seguindo-se “as respostas institucionais de acolhimento” e num número muito reduzido “programas de fortalecimento de competências, ajuda e apoio ao desenvolvimento social e humano”.
Na intervenção, o assistente social utiliza um conjunto diversificado de instrumentos /ferramentas técnicas e de referenciais teóricos e axiológicos que suportam a sua intervenção como prática científica e técnica.
Assim, identificamos como instrumentos de trabalho do assistente social:
• Informação Social (art.º 1º, al.) g)) Código Processo Penal;
• Relatório Social (art.º 1º al.) h)) Código Processo Penal;
• Relatório de avaliação psicossocial;
• Perícia social.
Como referenciais teóricos e axiológicos, os modelos de intervenção mais referenciados pelos assistentes sociais decorrem do trabalho de rede, a articulação e cooperação com os serviços comunitários e o interface com uma nova cultura e uma nova ordem de educação social, baseada no princípio da co-responsabilidade social. Estes modelos são operacionalizados no terreno através de programas elaborados a partir dos dados resultantes da análise das situações cruzados com as medidas operativas das políticas sociais, nomeadamente o programa de competências parentais, programa escola segura, programa escolhas. A intervenção desenvolve-se através de programas pedagógicos e terapêuticos com o objectivo de ajudar os sujeitos a inserirem-se e a prepararem-se a nível pessoal para ultrapassar as dificuldades que podem encontrar no seu desenvolvimento e a ganhar competências.
Através deste tipo de programas, o assistente social estabelece uma extensão da intervenção a nível individual (centrada na pessoa) para uma intervenção a nível colectivo (centrada na comunidade e nos serviços). A intervenção está presente no trabalho individualizado que privilegia o potencial do indivíduo assim como no trabalho colectivo.
A intervenção do assistente social caracteriza-se também por um processo de mediação, enquadrado numa matriz interdisciplinar, de forma a obter resultados de integração e autonomia associados a ganhos de confiança da pessoa na sociedade, produzindo redução de gastos públicos (ganhos para a implementação de novas medidas de politica social e de prevenção) e de maior equilíbrio entre receita e despesa pública (maior justiça social).
Na actualidade o serviço social assumiu a introdução das novas tecnologias que obrigaram a reequacionar teorias e metodologias de suporte à intervenção do assistente social, sem lhe retirar o conteúdo teórico, epistemológico, metodológico, instrumental, analítico e avaliativo, bases histórico-culturais constituem o seu fundamento e dimensão científica.
Concluímos através do estudo que ao assistente social na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens compete realizar o atendimento social, o estudo social da situação e o diagnóstico, nos quais suporta a proposta de medidas de intervenção e acompanhamento social. Com base nestas competências o assistente social intervém no domínio das relações inter-pessoais envolvendo a família e a criança, recorrendo à utilização dos recursos sociais colectivos, às politicasinstitucionais e à legislação em vigor.
A intervenção do assistente social, sustentando-se num quadro teórico de referência identifica como elementos da intervenção:
- O Diagnóstico, inclui fazer o despiste da situação; identificar os indicadores sociais e de risco relativos à situação; fazer um estudo aprofundado baseado no pedido, na sinalização feita, e a avaliação do caso e ou da situação.
- O despiste da situação, constitui o primeiro passo para proporcionar ajuda/protecção ao sujeito e á família, que se encontra na situação problema. Esta acção é importante, para que se desenvolva um processo de intervenção, centrada nas necessidades específicas do sujeito e ou da família.
- Indicadores de risco, o profissional utiliza um conjunto de indicadores que facilitam a leitura do problema e análise das necessidades da criança e ou da família, nomeadamente: o estado do sujeito; carências do sujeito; problemas de conduta do sujeito; características específicas da família e contexto social; habitação; espaço territorial de residência etc.
- Investigação ou estudo aprofundado, tem por principio comprovar a validade da situação problema ou não, através de evidências fundamentais e analisando se as necessidades do sujeito estão garantidas através de recursos comunitários, familiares e sociais, devidamente identificadas.
Esta fase possibilita um aprofundamento do diagnóstico e consiste num momento de trabalho intensivo, onde o uso de instrumentos técnicos e a recolha de informação são fundamentais para a construção do plano de intervenção profissional.
- Avaliação do caso, consiste em identificar as causas que motivaram o problema; determinar os aspectos/factores que representam os pontos frágeis da família, procurando ainda identificar os obstáculos à intervenção. Identifica os aspectos positivos e os negativos presentes na situação e na família, nos quais o profissional deverá apoiar a sua intervenção no sentido de responder ao problema. Estabelece quais as áreas do problema em que deve incidir a intervenção profissional com vista à sua alteração/mudança, determinando qual a possibilidade que existe para que a condição se modifique.
A intervenção com a criança e a família pode ser desenvolvida em contexto institucional ou no domicílio da pessoa, assumindo algumas características apropriadas ao tipo de populações intervencionadas.
O atendimento de populações fragilizadas (deficiente mental, físico ou com outros problemas associados, pessoas com graves carências sociais e ou em situação de crise) requer uma intervenção especializada, fundada em saber técnico específico.
No domínio do atendimento social o assistente social confronta-se com uma diversidade de situações. O atendimento do utente em situação de urgência: Ex (financiamento de urgência, repatriamento, situações de violência e ou mau trato). Nesta situação o utente encontra-se em crise (com sofrimento físico e psicológico), situação em que o utente procura um aliado e uma ajuda.
Nestes casos compete ao assistente social definir o que é uma situação de urgência (grande parte dos utentes já vem das instituições de primeira linha de intervenção do assistente social), e com o utente definir o plano de ajuda imediata e de segurança, sendo necessário continuar o diagnóstico e seu aprofundamento.
Outra situação é o atendimento em situação de autoridade, que consiste num pedido formulados pelos serviços/instituições, com objectivo de protecção e ou prevenção (criança maltratada, toxicómanos, outros). Temos nestes casos os pedidos do Ministério Público a uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.
A intervenção é baseada na contratualização, no domínio da criança e da família legitimada pelo acordo de promoção e protecção. Procura estabelecer uma relação de confiança, assegurada por contactos sociais, estabelecidos maioritariamente em regime co-presencial (reuniões, visitas domiciliárias), com o objectivo de fortalecer os compromissos contratualizados.
O contrato social é um meio de explicação, clarificação, responsabilização e dinamização recíproca, na construção das respostas sociais ao problema do sujeito assumindo uma dimensão técnica e uma dimensão administrativa, no processo de negociação. Alia proximidade e solidariedade, mobiliza capacidades da pessoa enquanto cidadão, potencialidades pessoais e recursos institucionais e sociais.
O acompanhamento social é um procedimento técnico em serviço social fundamental na promoção de inclusão e integração social e na promoção de uma cidadania social activa da pessoa em situação de sofrimento. Entenda-se acompanhamento social enquanto procedimento de trabalho que tem por finalidade envolver e responsabilizar o cliente na acção e na resolução dos seus problemas. Este acompanhamento social utiliza o empowerment a mobilização dos recursos próprios do cliente e competências profissionais do assistente social, para além dos recursos que as politicas sociais disponibilizam. O acompanhamento social comporta uma dimensão educativa centrada no sujeito, objectivando uma mudança sobre a pessoa e o meio em que está inserido. Formaliza as respostas operacionais às dificuldades encontradas na prática da inserção, e ao nível da inserção visa responder a questões específicas como – alojamento, emprego, etc, de acordo com as situações. Desenvolve uma metodologia contra o isolamento, contra a desqualificação da pessoa perante si e perante os outros.
Na prática do acompanhamento social o assistente social põe a ênfase no aspecto da contratualização com o sujeito da intervenção, estimulando a criação de microespaços sociais pelo utente, com vista à sua integração plena na família, no grupo e na comunidade. Entenda-se micro-espaços-sociais na perspectiva de apropriação do espaço social e não somente da necessidade sentida pelo indivíduo. Consiste em levar este a participar na melhoria do seu quadro de vida, relações de vizinhança, criar um espírito de cidadania. Pretende-se que o sujeito passe de consumidor a cidadão na promoção da criação de suportes de inserção colectivos que facilitem a reinserção social dos sujeitos de intervenção. (Ferreira:2005).
Os assistentes sociais referenciam e valorizam no estudo a visita domiciliária, identificando-a como procedimento de trabalho ao nível do diagnóstico, do acompanhamento social e da avaliação diagnóstica da situação.
A visita domiciliária é definida como uma entrevista efectuada no domicílio do utente que visa aprofundar a compreensão// diagnostico e o estudo e a observação do ambiente familiar. É um instrumento de trabalho de recolha de informações, que permita uma análise correcta e completa da situação. Permite ainda captar qual a relação existente entre o utente e o ambiente envolvente (família e comunidade); consistindo na observação das condições e da organização da casa e a interacção que os membros da família estabelecem entre si.
O profissional de serviço social utiliza, como procedimentos metodológicos na concretização da visita domiciliária, as técnicas de relação interpessoal, nomeadamente a empatia; parafraseamento; controlo do feedback; descodificação do sentido das palavras e dos silêncios e usa a comunicação como processo de contrato social.
Os procedimentos técnico-operativos variam conforme o tipo de população, natureza do pedido (emergência ou não) e a capacidade de resposta da instituição que enquadra o assistente social.
A visita domiciliária, também designada de «intervenção no domicílio» utiliza-se ainda para “avaliação das condições de higiene, de salubridade e de ocupação das habitações, de forma a melhorar a organização da habitação e a prevenir os efeitos debilitantes” (Djaoni, 2008:25). A visita domiciliária identifica-se com três áreas de intervenção: tarefas domésticas da pessoa e ou da família; questões simples da vida quotidiana, mas que a pessoa e a família apresenta dificuldades na sua execução e prestação de serviços de ajuda à família e à criança.
Presentemente o assistente social é solicitado a intervir no domínio da criança e da família em novas questões sociais como por exemplo a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e nas questões dos “sero positivos” e doentes de “HIV”, utilizando o aconselhamento social como procedimento de apoio e de relação de ajuda. O aconselhamento tem por objectivo principal, capacitar o sujeito da intervenção para compreender e intervir na resolução dos problemas, ampliando as suas competências empreendedoras na qualidade de cidadão. O aconselhamento dirigido ao sujeito (dimensão individual) ajuda o mesmo a melhorar as percepções das suas próprias necessidades, capacidades, interesses em relação às oportunidades que ele próprio cria ou que a sociedade lhe oferece. (Patterson e Eisemberg). O aconselhamento é um processo sequencial, acompanhado por um plano de intervenção que preconiza metas e fins a atingir, ou seja, tem um inicio e um fim predizível. Na prática do aconselhamento os profissionais transmitem respeito pelos clientes, como pessoas com direitos, que estão procurando viver de melhor forma e qualidade possível.
No modus operandi do assistente social podemos estruturar da seguinte forma os procedimentos técnicos e científicos que suportam a prática profissional no sistema de protecção junto da criança e da família:
- Procedimentos técnicos designados como Meios de Prova (relatório Social e a Perícia Social):
• Relatório Social: consiste num meio de informação baseado num estudo da situação do indivíduo e da família. Também chamado de pré-diagnóstico da situação a ser intervencionada.
• A Perícia Social: É o estudo aprofundado sobre o comportamento e atitude social do sujeito, que envolve na investigação sobre a história sócio-familiar do sujeito e uma avaliação da influência do contexto social sobre a conduta do próprio.
- Procedimentos técnicos como Meios de Diagnóstico (caracterização sócio-familiar, informação Social, genograma e ecomapa):
• Caracterização sócio familiar, é um instrumento utilizado no âmbito do Acompanhamento Social, cujos objectivos diferem de acordo com a situação do sujeito.
• Informação Social, é um instrumento de intervenção social que assume particular pertinência e importância na fase da sinalização de uma situação/problema de natureza social.
• Na intervenção com famílias o assistente social utiliza também o Genograma e o Ecomapa.
- Procedimentos técnicos como Meios de Acompanhamento e Planeamento da Intervenção Social (Plano individual de readaptação, Plano Pessoal Educativo, Acordo de Promoção e Protecção):
• Plano individual de readaptação, aplicado a públicos difíceis e que visam por um lado definir um conjunto de acções que promovem a integração social do sujeito com problemas de integração e inserção social.
• Plano Pessoal Educativo, é um procedimento mais aplicado nos Centros Educativos e que visa desenvolver um programa de competências pessoais e sociais que valorizem a dimensão social do sujeito e produzem no mesmo novas aprendizagem e competências.
• Acordo de Promoção e Protecção, estabelece uma relação contratual com a criança, a família e os serviços sociais (podendo ser serviços de primeira linha ou a comissão de protecção) e define o conjunto de actividades e responsabilidades cometidas a cada uma das partes com vista à alteração e ou remoção do problema.
Os assistentes sociais utilizam no agir profissional, técnicas de suporte à intervenção, sendo a entrevista exploratória, a entrevista semi-estruturada, a entrevista de profundidade; a s escalas de percurso de vida (história de vida) e a Observação (estruturada, não estruturada/ocasional). Em algumas situações utilizam também a dinâmica de grupo, o focus group e as técnicas de intervenção em rede.
Concluímos que a prática profissional do serviço social assenta numa abordagem individual, com ênfase em questões psicossociais. Caracteriza-se por uma actuação jurídico-social através do atendimento individualizado, apoiado em perspectivas educativas, com objectivos de correcção e reajustamento da criança/jovem e da família aos padrões considerados adequados à promoção do Bem-estar e direitos da criança.
É uma intervenção social, baseada na entrevista através da qual o assistente social estuda, diagnostica e promove o plano de intervenção e acompanhamento da situação. No processo de intervenção a entrevista tem por objectivo recolher elementos que melhor possam esclarecer o caso, compreender as pessoas nele envolvidas, bem como contribuir para o planeamento do programa social a promover junto da situação específica.
Também concluímos que o modelo actual de intervenção do assistente social, se fundamenta no novo paradigma para a intervenção social, sustentado na “parceria”, designado por partenariado que impõe uma nova ordem organizacional no que respeita à matriz técnica/operativa, organizacional e concepção de políticas sociais.
A parceria como forma de actuação em cooperação e no trabalho em rede, comtempla o principio da transversalidade dos saberes e das respostas sociais. Uma intervenção que inclui o sujeito/cidadão e a família como parceiro activo e participativo na acção do profissional, visível na construção de redes sociais. As redes sociais constituem um verdadeiro potencial na promoção da participação e da autonomia da pessoa.
A organização da intervenção profissional em rede possibilita inovar/criar ao contrário da filosofia de trabalho isolado; fomenta uma articulação entre as organizações (Públicas/Privadas) e os grupos diferenciados, procurando em interacção encontrar respostas que satisfaçam as necessidades decorrentes das questões sociais geradas pela estrutura socioeconómica.
Duas outras dimensões, são identificadas pelos assistentes sociais na configuração ou reconfiguração de uma nova intervenção profissional: A Ética e a Interdisciplinaridade.
A dimensão ètica é uma dimensão presente na intervenção profissional, quando esta é cada vez mais apoiada por sistemas informáticos através do recurso e uso das novas tecnologias da informação e comunicação. A introdução das novas tecnologias no trabalho dos profissionais obriga a repensar os modos de trabalho e as interacções entre parceiros e a reelaborar metodologias de intervenção inter-institucional (parcerias).
A dimensão da interdisciplinaridade deve ser entendida como o encontro entre diferentes disciplinas e diferentes realidades com o objectivo de produzir mudança na metodologia de intervenção (transição da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade). A interdisciplinaridade implica uma metalinguagem que no seu princípio respeita a heterogeneidade dos saberes. Esta é visível no Saber Fazer, Saber Aprender e Saber Ser com os outros.
Os profissionais inquiridos referem que os recursos que utilizam como suporte à prática profissional por ordem decrescente são:
- Recurso ao trabalho articulado com outros profissionais; a informação legislativa; as medidas operativas definidas pelas politicas sociais de protecção à Criança; os saberes experienciais; os procedimentos técnicos – operativos; os conhecimentos teóricometodológicos; os princípios éticos e valores profissionais; as decisões emanadas dos tribunais; as orientações da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco; as tecnologias da Informação e Comunicação; e as orientações de superiores.
Verificamos que o profissional valoriza mais o trabalho em rede (articulação com outros profissionais), a informação legislativa que os conhecimentos teóricos e metodológicos e os princípios e valores profissionais.
Concluímos que o sistema de protecção à criança e à família tem um ‘consumo’ de recursos humanos especializados em tarefas administrativas (preside a norma jurídica os requisitos formais na atribuição de subsídios) e menos recursos na promoção de competências e trabalho directo com as pessoas, os grupos, as famílias e as comunidades, reconhecendo o saber e o saber fazer dos profissionais como elemento fundamental para uma mudança social no sentido do bem – estar e qualidade de vida das pessoas.
Sugestões dos Assistentes Sociais participantes no estudo
Por fim parece-nos importante salientar algumas ideias/sugestões apresentadas pelos assistentes sociais que participaram na pesquisa e que consideramos como aspectos significativos para continuar a investigar sobre uma temática de relevância social incontornável.
- “Haver maior articulação entre as entidades com competência em matéria de infância e juventude, não trabalhar tanto para dentro, sem burocracias para uma maior protecção e bem-estar das nossas crianças”;
- “Não é possível uma Comissão trabalhar com apenas quatro técnicos afectos a 100 %, três técnicos afectos dois dias por semana e um técnico afecto um dia por semana- mais recursos humanos”;
- “Não é suportável, terem de ser sempre os mesmos a lidar com as situações mais difíceis. Este trabalho é desgastante e carece de supervisão”;
- “Garantir maior proximidade geográfica com os Tribunais de Família e Menores por forma agilizar procedimentos e a desburocratizar a intervenção”;
- “Necessidade de acompanhamento e supervisão por parte da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco”.
- “Maior consciencialização, por parte das entidades parceiras, de que a área dos menores é de intervenção prioritária”;
- “Reforço técnico e material dos serviços da comunidade”;
“As Comissões deveriam ser um serviço com autonomia funcional, financeira e jurídica, com quadro de pessoal próprio e especializado. O formato de Comissão actual multiplica a acção dos serviços de primeira linha. Reina a burocracia em vez de reinar a ajuda e operacionalização das respostas”.
Os assistentes sociais concluem “ser necessário criar maior espírito de prática em equipa multidisciplinar a tempo inteiro”. É também “necessário criar instrumentos de recolha de informação”.
FERREIRA, Jorge Manuel Leitão - Serviço Social e modelos de bem-estar para a infância: modus operandi do assistente social na promoção da protecção à criança e à família [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2009. Tese de doutoramento. Disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/3590>. ISBN 978-989-732-144-3.
Urgências e Emergências do Serviço Social Fundamentos da profissão na contemporaneidade
Fatma's Social
Maria Inês Amaro (2012)
Urgências e Emergências do Serviço Social Fundamentos da profissão na contemporaneidade.
Lisboa. Universidade Católica Editora.
Prefácio
Repensar o serviço social (1). A proposta não é nova, ela é mesmo, é preciso dizê-lo, recorrente. Tem-se feito do mal-estar do serviço social uma das dimensões constituintes do seu exercício. Aprisionado nas malhas do duplo mandato de contenção do perigo e da autonomização dos clientes, embaraçado nas visões reparadoras e nas visões emancipadoras, o serviço social alimenta-se do terreno da incerteza e faz da busca, constantemente renovada, de referências disciplinares, éticas ou metodológicas o motor do seu desenvolvimento.
Mas a originalidade da tese de Maria Inês Amaro é a de recusar a enésima busca em profundidade do que seriam «realmente» os fundamentos essenciais do serviço social. Se, com efeito, ela se propõe retomar em novos termos esta questão, é simplesmente porque considera que esta se reatualiza em função de uma mutação societal profunda, civilizacional para retomar os seus próprios termos. O seu racionício parte de uma ideia simples que não podemos deixar de partilhar: o que é próprio do serviço social é providenciar formas de aliviar as situações individualmente experienciadas nascidas de questões coletivas estruturais que importa ultrapassar ou transformar em razão de dinâmicas societais de ordem política, económica e cultural. As tentativas de resposta providenciadas pelo serviço social têm, no entanto, elas mesmas conhecido reajustamentos regulares que interrogam o duplo registo da eficácia e da continuidade. É nesta heurística que se situa a obra de Maria Inês Amaro. O mesmo é dizer que o empreendimento é salutar e que se inscreve numa tradição que apela sem cessar à sua renovação.
Mas o que pode ser o serviço social numa civilização, que a autora designa de tecnológica ? Em quê, aquilo que havia sido considerado como constitutivo do serviço social, os valores que transportava para as modalidades que punha emmarcha, se encontra perturbado por um contexto totalmente diferente daquele que o viu nascer. Porque, é daí que é preciso partir, o serviço social, tal como foi constituído e sistematizado, é um filho da modernidade. Nasceu de uma combinação singular de ideias progressistas e de compromissos pragmáticos desenvolvidos face aos problemas sociais resultantes do desenvolvimento das sociedades modernas. Foi alicerçado sobre a solidez de um modelo de sociedade politicamente democrático, economicamente liberal e socialmente protetor. Ora este modelo está em vias de se alterar, de modo profundo. Esta mudança da representação do viver em conjunto e do contrato social que o acompanha provoca a emergência de um novo modelo de integração social e a constituição de um novo modelo de intervenção da sociedade sobre si própria de que o serviço social é um dos pontas de lança.
Este novo modelo de integração repousa sobre uma solidariedade expressiva (integrar-se, não é mais produzir complementarmente e agir em conformidade, mas participar), uma socialização individualizada (ser socializado, não é mais o resultado de uma aprendizagem de conformação às expectativas culturais normativas, mas uma ação voluntária; socializar-se, de qualquer modo, significa ser capaz de se produzir como responsável e autónomo, o que implica a imputa- ção da formação do indivíduo como indivíduo sobre o próprio indivíduo pelo trabalho que sobre si ele efetua) e um desvio concebido como uma incapacidade a participar (a incapacidade de certos membros da coletividade a se auto-instituir constituiu uma falha da socialização porque põe em perigo a participação na instituição da sociedade e concretiza o custo social das limitações individuais de assumir as obrigações sociais de participação). A realização deste modelo de integração passa pela valorização das formas de por em marcha, pela mediação, o suporte ao reforço de si e à ativação da integrabilidade dos indivíduos. A partir daí, as políticas sociais mudam de sentido. Não se trata tanto de desenvolver a proteção dos indivíduos, mas de os encorajar a tomar/retomar lugar na sociedade. Existe de facto uma ligação forte entre esta transformação da integração e a formulação das políticas sociais de responsabilização individual e orientação dos indivíduos para um trabalho sobre eles próprios, refenciado a minima por :
a) O advento de um modelo responsabilista do risco. O risco não é mais um perigo decorrente da organização ou funcionamento da sociedade, com uma imputação de responsabilidade à coletividade implicando proteção e compensação/indemnização dos prejuízos, assente numa coletivização do risco. O risco é preferencialmente visto como uma coisa positiva, um bem que deve ser defendido. Ele torna-se, não somente, o suporte da dinamização da sociedade pela libertação das forças empreendedoras, mas além disso representa um princípio moral do conjunto porque compromete a coletividade e os seus membros numa ética de responsabilidade.
b) A promoção de políticas emancipatórias em detrimento de políticas compensatórias. Neste modelo participativo de integração, importa facilitar a disposição de agir mais do que compensar os efeitos da ação, o que supõe converter as disposições inibidoras em disposições capacitantes através do desenvolvimento de políticas animadas por um Estado que torna capacitado.
c) A condicionalidade do apoio. A condicionalidade, prioritariamente orientada para os sem emprego por incitação à atividade, tende desde então a estender-se à assistência social pela incitação à utilidade. A condicionalidade traduz de facto a disponibilidade dos cidadãos a participar na sociedade, participação que não é tanto um dever social fundamental, mas uma necessidade fundamental para estar em sociedade e ser um ser em sociedade.
d) A formulação de políticas de «boas práticas» em termos de prevenção. Dado que, numa lógica empreendedora da participação, o fim é reduzir ao máximo as possibilidades de realização do risco, importa informar todos os cidadãos dos riscos conhecidos e calculáveis e da relação entre materialização do risco e comportamento de risco. O investimento preventivo no desenvolvimento do potencial humano é entendido como a condição que permite a cada um assumir as consequências das suas escolhas.
Como, e compreende-se bem o pensamento de Maria Inês Amaro, o serviço social, que se desenvolveu num contexto solidarista de promoção da segurança e desenvolvimento da redistribuição, pode permanecer o mesmo num contexto no qual não se trata mais de desenvolver a proteção dos indivíduos, mas de os encorajar a retomar um lugar na sociedade pela ação que eles próprios desenvolvem?
O segundo mérito do empreendimento de Maria Inês Amaro, depois de ter fortemente lembrado a necessidade de situar o trabalho no contexto social, político e cultural no qual ele se desenvolve, é, no mesmo movimento, de recusar uma leitura exclusivamente historicista. É certo que o serviço social na sua existência como na sua factualidade, no seu projeto como na sua eficácia, deve ser contextualizado para ser pensado, mas ao mesmo tempo, uma tal apreensão não pode ser exclusiva e deixar de lado o que é, e do que realmente faz o serviço social num dado momento societal. Ele é também dotado de propriedades, que na falta de serem o fruto de uma essência profunda, não são menos resultantes da sua própria história, dos conflitos que o têm animado, das contradições que o têm atravessado e dos ideais que o têm movido. Todas estas heranças, valores e práticas, projetos e métodos, continuam a se expressar, ou pelo menos a procurar fazê-lo, nas diferentes situações socio-históricas que ele conhece. E é justamente a atualização destas propriedades pela experiência que a obra de Maria Inês Amaro ensaia decifrar. O seu projeto central é portanto apreender como um novo contexto e propriedades historicamente construídos se articulam para dar forma a novas concretizações do serviço social hoje. Projeto intelectual forte, pois trata-se de superar ao mesmo tempo uma leitura determinista e uma leitura essencialista para se empenhar nos caminhos de uma apreensão sincrética combinando a emergência de um modelo responsabilista de intervenção da sociedade sobre si mesma e a preservação de propriedades normativas e práticas do trabalho sobre o outro. O serviço social não é portanto aqui reduzido a uma ferramenta societal lábil mudando ao sabor das transformações das sociedades, não apenas uma identidade intrínseca, portadora de qualidades inalienáveis simplesmente entravadas pelas condições societais pouco favoráveis. É, ao contrário, restituído à sua complexidade. E é nesta dimensão que esta obra é ambiciosa e, é preciso dizê-lo, ela consegue de um modo muito convincente atingir os seus objetivos.
A sua terceira qualidade, que explica em parte o comentário conclusivo precedente, deve-se à sua vontade de, ao mesmo tempo, ultrapassar o escolho do propósito ensaísta e generalista sobre as mutações contemporâneas das nossas sociedades, e de não soçobrar nas ânsias do muro das lamentações (2) reportando a partir do terreno todas as insatisfações nascidas das transformações vividas no exercício do trabalho quotidiano. Articulando, desta vez, uma perspetiva macro-analítica e uma apreensão micro-empírica para dar conta do sincretismo referido entre efeitos de contexto e força das propriedades, Maria Inês Amaro propõe uma demonstração convincente porque duplamente enraizada. Ela recorre de facto a duas fontes, a análise da dinâmica das sociedades contemporâneas, por um lado, e ao relato das experiências de terreno realizadas, no atual contexto, pelos próprios assistentes sociais. Esta dupla articulação empírica confere todo o peso e toda a credibilidade ao raciocínio seguido e permite ao leitor apreender plenamente todos os aspetos do serviço social que se atualiza hoje em dia.
O paradoxo da tese avançada no final da obra, é o de que o serviço social evidencia nesta atualização sincrética, as fórmulas passadas, ainda que sob novas roupagens, mas sobretudo as velhas fórmulas que a priori não seriam expectáveis. Numa civilização tecnocrática, totalmente estruturada pelo risco, a incerteza e a fragmentação normativa, ao mesmo tempo ancorada numa racionalidade instrumental levada ao extremo, são duas propriedades bem estranhas a este universo que Maria Inês Amaro distingue como nodais nesta recomposição do serviço social: os registos políticos e éticos. Num élan de profissionalismo, o serviço social poderia valorizar a consolidação dos métodos de intervenção ou a eficácia das atividades desenvolvidas; para fazer face à incerteza e ao risco, poderia fazer valer a segurança da sua deontologia e a seriedade da sua empresa; para se apresentar como eco da racionalidade tecnocrática poderia desenvolver a eficácia dos seus procedimentos e caráter avaliável dos seus resultados. Ora, as linhas de força que sustentam esta recomposição do serviço social no contexto contemporâneo tomam a forma de uma repolitização e duma afirmação ética.
A relação do serviço social com o político foi sempre um longo flirt atormentado, desde as inspetoras das empresas (3) e as visitadoras ao domicílio, procurando pacificar a classe operária nos seus locais de trabalho ou nos seus meios de vida, ao trabalho comunitário visando reforçar a capacidade de afirmação e de reivindicação das categorias sociais singulares. Não é portanto surpreendente, bem refletindo, que após anos de atonia política, ocupado como estava a percorrer os meandros da individualização, da responsabilização e do acompanhamento, que redescubra as questões políticas que se escondem por detrás do retorno da assistência para todos aqueles que são os restos da lógica generalizada da inser- ção. Não é surpreendente que o serviço social se torne resistente e mobilizado, porque justamente a sua posição intermediária entre espaços, entre a expectativa institucional e a realização individual, coloca-o numa boa posição para percecionar que a centração na responsabilização individual e ativação sistemática não têm sentido senão com base num suporte mínimo que sustente a iniciativa dos indivíduos, salvo para falsear estruturalmente o jogo e esvaziar do seu sentido todo o esforço nesta direção. A neutralidade torna-se então cumplicidade ou cegueira e desqualifica o serviço social condenando-o mesmo a renunciar às suas propriedades «históricas» e ao seu enraizamento intrinsecamente ético.
O apelo aos direitos do homem e à justiça social não é um discurso de circunstância num tal contexto. Representa a força normativa desta resistência política do serviço social em reação à linha de ação tão indiscutível como evidente, a inserção, que se lhe impõe. Baseado sobre um credo profundamente partilhado, para além das opções ideológicas e dos posicionamentos políticos, a totalidade das estruturas de intervenção com as populações desinseridas do mundo do trabalho concentra-se sobre as ações visando, através de diferentes modalidades, o retorno ao trabalho, ou pelo menos a preparação intensiva para isso. O horizonte de expectativa é então profundamente legítimo e desejável, conferindo à inserção uma primazia indiscutível. Mas, ao fazê-lo, a inserção é também enublante porque oculta a evidência que lhe escapa, constrangida a considerar pelo seu prisma aquilo que, justamente, não está no seu campo de apreensão ou, antes de mais, onde não há podido entrar. As populações vulneráveis, aquelas que cabem às formas contemporâneas da assistência social, não são mais do que um resto, o saldo de todas as operações e tentativas de inserção postas em prática de forma cada vez mais específica no seu lugar. Mas, estando condenado a não as apreender como tal, como tendo escapado à lógica da inserção, o serviço social encontra-se desmunido para agir no seu lugar por não tomar paradoxalmente em consideração a sua particularidade comum, que é o seu afastamento duradouro face ao emprego.
Compreende-se assim melhor a exigência dissonante que sentem os atores do terreno, manter uma perspetiva de inserção para aqueles que apresentam como característica não serem inseríveis. A sua ação confina-se pelo menos à manutenção de uma ilusão quando não é pura e simplesmente uma imputação de responsabilidade individual ao beneficiário, ainda que percebam, sem sempre saber como, a necessidade de intervir de outro modo. Apercebem-se das portas abertas, aí se precipitando por alguns, correndo o risco de se queimar, fecham-nas rapidamente para outros, por prudência institucional. Mas todos permitem ver a inanidade da sua ação porque pensada por referência a uma perspetiva exclusiva que fez, ao longo do percurso biográfico e institucional das populações apoiadas, a demonstração da sua inadequação. Mais do que a identificação dos bloqueios e disfunções, esta solicitação da experiência dos profissionais do terreno permite interrogar os pressupostos sobre os quais repousa a sua ação. Não se trata de um quadro negro do seu contexto que desenham, mas antes de mais o buraco negro da sua ação aspirando sentido, legitimidade e eficácia para não filtrar senão as populações face às quais se encontram desmunidos. E a sua procura de soluções, o seu desejo de agir de outro modo, a sua crença persistente na possibilidade de fazer qualquer coisa, alimentando a necessidade de pensar por si próprios a intervenção dirigida às populações vulneráveis, de a inscrever numa outra lógica não exclusivamente orientada para a inserção no mercado de trabalho e sobre o altar do consumo, de fazer repousar sobre todos estes «inadaptados» do mundo do trabalho contemporâneo, longe de serem todos «preguiçosos» ou «vigaristas», para tentar dar-lhes um lugar reconhecido e significante, quando mesmo a inserção convencional o não seria. É aqui que o registo ético constitui uma alavanca importante para implicar uma profunda revalorização da dimensão de «ajuda» do serviço social em torno da função «diplomática» de manutenção do laço social sem um projeto que vise promover o desenvolvimento da ajuda enquanto relação, hoje maltratada pelo peso dos constrangimentos (controlo administrativo e ideológico nomeadamente responsabilista).
Como vemos, a obra de Maria Inês Amaro não nos poderia deixar indiferentes, pela sua qualidade, pelo seu rigor e pela força da sua argumentação, mas também em razão mesmo dos territórios que abre à reflexão, em razão do que convida a reabilitar no seu ensaio de requalificação do serviço social do século XXI. Sem voos líricos nem posições partidárias, ela estabelece as balizas do debate de amanhã, aquele, a que queiramos ou não, não nos poderemos esquivar. Marc-Henry Soulet Chaire de Travail social et politiques sociales Université de Fribourg (tradução por Francisco Branco, Professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa)
(1) N.T : No texto original Marc-Henry Soulet utiliza o termo trabalho social, o que significa, com rigor, reportando ao mundo francófono das profissões sociais, um conjunto de profissões, que entendemos dever designar, no contexto português por profissões do trabalho social, aí incluindo o serviço social, a educação social, a animação social cultural entre outras profissões ou ocupações similares que historicamente se desenvolveram neste campo, pois como Bouquet ( 2005) esclarece En France, l’expression «travail social» a une signification particulière qui diffère de celle qui est utilisé dans d’autres pays. Elle englobe une quinzaine de professions dont celles d’assistant de service social, d’éducateur, d’animateur, d’éducateur de jeunes enfants et de conseiller en économie sociale et familiale. É com este fundamento, de não operar uma descontextualização sócio-histórica das designações profissionais, que aqui adoptámos o termo serviço social.
(2) N.T. : Cahier des doléances no original, respeitando às queixas dirigidas ao Rei expostas nos registos dos estados gerais ou provinciais surgidos no contexto da Revolução Francesa de 1789 (Le Robert Dixel, 2011).
(3) NT: no original a referência remete para a figura francófona das surintendentes d’usine, uma das ocupações profissionais iniciais que esteve na base da institucionalização do serviço social em França (cf. Bouquet et Garcette, 2005).
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